terça-feira, 9 de setembro de 2008

0539) Lixo (10.12.2004)


(Lixo em Nápoles)

O que é lixo? Em Tóquio, por exemplo, lixo pode ser um computador Pentium III de 500 Mhz, com disco rígido de 80 Gb, igual a este onde todos os dias venho tomar minha vacina contra o Tédio. O japonês compra uma máquina com o dobro da capacidade e aí pega o computador velho e coloca no corredor do prédio, para ser recolhido pelo porteiro. É lixo para o Sr. Nakayama, que acabou de fazer a troca, mas deixa de ser lixo no momento em que é recolhido pelo porteiro, um rapaz de Guaratinguetá que está no Japão fazendo seu pé de meia, e até então não tinha tido tempo de escolher um PCzinho para o filho jogar The Sims.

O que é lixo para um deixa de sê-lo, magicamente, quando cai nas mãos de outro. Uma sociedade inteligente é a que prevê e administra as possibilidades dessa reciclagem. Quando tomo meu café da manhã, todos os dias, produzo coisas de que não preciso mais: pó de café, cascas de ovos, bagaço de laranja. Tudo isso vai para o lixo, mas não tinha de ser assim. Quando eu era pequeno, lá em casa não se jogava fora uma casca de ovo. Todas eram lavadas, guardadas, torradas no forno, pulverizadas, e guardadas num saleiro, em forma de um pozinho branco muito fino, composto de puro cálcio, que era polvilhado no prato do almoço e até hoje me garante estes ossos fortes que nunca foram quebrados. Algo me diz que a grande maioria das coisas que vai para a lixeirinha da pia poderia ter o mesmo destino.

Falei acima que a sociedade deveria prever e administrar essa reciclagem, mas prefiro reformular esta proposta. Dizer assim dá a impressão (tão cara ao pessoal da direita e da esquerda) de que reciclar lixo é tarefa do governo, de que deveria haver funcionários públicos encarregados de toda manhã tocar à nossa campainha para pegar nosso lixo reciclável, conduzi-lo para uma indústria estatal, etc. etc. Na verdade, acho que deve caber ao governo apenas a criação desses centros e a educação do povo (minha e sua, caro leitor) para aprender a separar, guardar e encaminhar. Quem tem de se organizar para fazer isso são as pessoas, as famílias, os condomínios, os bairros, as vizinhanças. Se esperar por Governo, o mundo cai de podre.

Lixo é tudo aquilo para o qual ninguém consegue descobrir uma nova utilização. Enquanto tiver um cara esperto capaz de olhar para aquilo (pó de serra, pilha descarregada, quenga de coco, plástico de CD, prego enferrujado) e descobrir uma nova utilização, nada está perdido para sempre. As escolas poderiam dar o exemplo, reciclando, com a participação dos alunos, tudo que é utilizado em suas cantinas e salas de aula. Assim como o planejamento urbano e a construção civil são obrigados hoje a prever o acesso e a locomoção de portadores de deficiência, deveriam prever também instalações de recolha e distribuição de lixo reciclável. Não é tão difícil. No Brasil, por exemplo, basta promulgar uma Lei e convencer a Rede Globo a encampar a idéia.

Um comentário:

Anônimo disse...

Esses dias estava justamente a contar que certa vez conheci um hippie e ele mostrou o que usava como material de trabalho : caroço de manga, espinha de peixe e tantas outras coisas que ele encontrava no chão.O que até então para mim representava apenas LIXO.Sorte minha ter conhecido esse hippie e ter a oportunidade de ler seus artigos.

Ah! e adorei a idéia da Rede Globo =)