segunda-feira, 11 de agosto de 2008

0504) O goleiro (30.10.2004)



Não sou a pessoa mais indicada para comentar evolução de esquemas táticos no futebol. Eu nunca sei quando um time está jogando com 3-5-2 ou com 4-3-3. Para mim é sempre um amontoado de crioulos carecas correndo e se esbarrando. Mas se tem uma coisa em que o futebol evoluiu nitidamente nestes 40 anos em que o acompanho foi no papel desempenhado pelo goleiro. O goleiro é hoje um jogador muito mais participante do que era décadas atrás.

Antigamente os goleiros eram meio ingênuos. O paradigma da época era de que o goleiro deveria segurar com as mãos todas as bolas chutadas contra o seu gol. Um goleiro que largava a bola (“queimava”, “arrotava”) era visto com desdém. Os goleiros de hoje, não. Eles só tentam agarrar “na boa”. Qualquer bola duvidosa é espalmada para cima ou para os lados, e o desdém de hoje se limita aos goleiros que espalmam a bola de volta para o interior da área, à disposição dos atacantes. Um outro aspecto, conseqüência deste, é que a primeira preocupação do goleiro é simplesmente a de cortar a trajetória do chute. Com as mãos, com os antebraços, com o corpo, e principalmente com os pés. Nos anos 1960, um goleiro defendia com os pés no máximo uma vez por partida; hoje em dia, é o tempo inteiro. Na verdade, muitos goleiros, principalmente goleiros volumosos como Dida e Júlio César, jogam-se diante do atacante, confiando que a bola vai bater em qualquer parte do corpo deles e ser desviada. Em geral, é o que acontece.

Uma outra evolução foi possibilitada pelas mudanças na regra. Antigamente, o goleiro podia ficar com a bola o tempo que quisesse. A torcida adversária arrancava os cabelos de ódio quando o goleiro do time que estava em vantagem ficava batendo bola pra lá e pra cá dentro da área, pra lá e pra cá, batendo a bola no chão e pegando de volta, perseguido pelos atacantes, negaceando, fingindo que ia, voltando, batendo a bola... O goleiro era proibido de dar tantos passos (não lembro quantos) com a bola nas mãos, sem batê-la; mas desde que batesse com a bola no chão (muitos goleiros levavam isso ao pé da letra, abaixando-se e tocando no chão com a bola, sem soltá-la), podia ficar com ela a tarde inteira.

A regra mudou: o goleiro tem seis segundos para livrar-se da bola, quando a tem nas mãos. E foi proibida outra aberração, que era a “bola atrasada”. Hoje em dia, só se pode atrasar a bola para o goleiro com a cabeça, o peito, etc.; bola atrasada com o pé tem que se recebida por ele com o pé. É um detalhe sutil, mas que fez um bem imenso ao esporte. Vocês não fazem idéia do que era a praga da bola atrasada, antigamente. Os jornalistas reclamam do “anti-jogo” de hoje, com razão, mas pelo menos neste aspecto houve uma evolução. O goleiro hoje é um jogador a mais. Adianta-se, sai da área, troca passes como se fosse um líbero, chega até a ir tentar um gol de cabeça na área adversária, quando o time está perdendo. Raramente consegue. Mas tá aí uma coisa que melhorou no futebol.

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