segunda-feira, 21 de julho de 2008

0452) Escalando o monte Olimpo (31.8.2004)



O futebol pode ser o esporte que mais nos apaixona: todo brasileiro (este “todo” é uma hipérbole, claro) sabe de cor a escalação da Seleção atual, e tem no bolso da camisa sua escalação preferida, que é muito melhor do que a do Parreira. Mas não é a Copa do Mundo o evento esportivo que nos define como povo. São os Jogos Olímpicos, onde participamos, como todo mundo, com o que temos de melhor em cada esporte. Por suprema ironia, nestes Jogos de Atenas ficou de fora justamente o nosso filho mais brilhante e mais mimado, o futebol masculino, que no Pré-Olímpico resolveu rebolar e usar salto alto, e acabou sendo substituído pelo futebol feminino, que, sabiamente, preferiu correr e calçar chuteiras.

Ganharam a prata, as meninas, e um dos indicadores do nosso fracasso como nação esportiva é o fato de que provavelmente continuarão todas desempregadas, treinando por conta própria, perdendo jogos decisivos para equipes mais preocupadas em finalizar jogadas para dentro do gol do que em “quebrar uma escrita que já dura tantos anos”, ou “mostrar por que somos o país do futebol”, ou “resgatar a auto-estima da mulher brasileira”, ou bobagens semelhantes que os cartolas e nós, da imprensa, vivemos repetindo.

Batemos pino no futebol, e vemos subir ao pódio o pessoal da vela, do iatismo. Vi um crioulo resmungar, diante da TV de um botequim, que mostrava a entrega de uma medalha a Torben Grael ou Robert Scheidt: “Agora danou-se, até no esporte eles estão tomando o lugar da gente.” Na cabeça desse indivíduo, certamente, há uma olimpiadazinha interna no Brasil entre ricos e pobres, e ele via com preocupação o fato de nossos ex-favelados estarem indo pro espaço nas eliminatórias, enquanto o pessoal de olho azul e sobrenome europeu singra como cisnes brancos as águas da vitória.

Não concordo, mas compreendo. As Olimpíadas têm que nos representar como povo, num corte vertical onde estejam presentes todas as camadas de gente que nos compõem. O problema é que elas refletem também nosso imenso conflito emocional, de gente que quer compensar seu complexo-de-inferioridade adquirindo um complexo-de-superioridade. Em Atenas 2004 ganhamos quatro ouros que compensaram a frustração de Sidney 2000. Naquele ano, publiquei no “Jornal da Tarde” de São Paulo um artigo em que dizia:

“Falta de patrocínio, excesso de patrocinadores, instabilidade emocional, paúra de novato, traumas de veterano, influência daninha do marketing, assédio invasivo da imprensa, falência do modelo neo-liberal – tudo já foi invocado para explicar por que motivo na hora H nossos atletas dão aro. Eu não gostaria de, na hora de cortar de encontro a um bloqueio, estar pensando na percentagem da cota, na revisão do contrato, na fogueira das vaidades, nas expectativas do fã-clube, na manutenção de uma escrita, na coletiva do aeroporto... Eu queria poder estar pensando apenas na bola, no tempo, no espaço, na rede, no olho, no braço.”

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