Comentei nesta coluna o livro de Zvi Kolitz Yossel Rakover dirige-se a Deus, onde um judeu do gueto de Varsóvia registra seus últimos pensamentos antes de ser morto pelas tropas nazistas. Publicado em Buenos Aires em 1946, o texto curto de Kolitz conheceu uma imensa popularidade.
A criação do Estado de Israel em 1948 acendeu, principalmente, na Europa, uma imensa discussão sobre o Holocausto e sobre aspectos da cultura e da fé judaica. A edição brasileira (Ed. Perspectiva, São Paulo, 2003) traz o texto original, um longo ensaio de Paul Badde sobre o autor, e um texto de Emmanuel Levina, “Amar mais a Torá que Deus”, de 1955.
No conto de Kolitz, Yossel Rakover está cercado pelos nazistas num sobrado do gueto, combatendo as tropas alemãs com o auxílio de coquetéis Molotov. Ao perceber que só lhe restam algumas horas de vida, ele escreve esse documento, onde pede contas a Deus pelos fatos terríveis que estão acontecendo. E afirma que, por mais que Deus abandone seu povo, ele continuará a amá-Lo, e a amar a sua Lei. É um documento emocionante, onde um indivíduo sozinho, ferido, encurralado, fica de pé e interpela Deus, pedindo-lhe uma explicação por ter abandonado o seu povo.
A história de Rakover me trouxe à memória um conto clássico de ficção científica: “Pois sou um Povo Ciumento” (“For I am a Jealous People”), de Lester del Rey (1954).
A história se passa no interior dos EUA, quando a Terra está sofrendo uma invasão alienígena. Os invasores são ferozes, impiedosos, destroem tudo. O protagonista é um sujeito profundamente religioso que ajuda a população da cidade a combater, se entrincheirar, bater em retirada quando é preciso. Durante todo o tempo ele se indaga como é possível que Deus, que é tão bondoso, permita algo assim.
A certa altura, ele retorna durante a noite à cidade, que já está ocupada pelos alienígenas. Ele percebe que um grupo deles encaminha-se para a igreja local, e vai atrás. Consegue entrar na igreja às escondidas, e de lá observa espantado que os extraterrestres estão diante do altar, fazendo uma espécie de ritual. E de repente, surge ali uma Luz quase insuportável.
Transido de horror e de deslumbramento, ele tem a revelação: é Deus que está se manifestando ali. Deus surge e se revela como nunca se havia revelado naquela igreja. E nesse instante ele entende que está acontecendo. Deus existe, sim, mas o Seu povo não somos nós, os terrestres. Deus fêz uma Aliança com aquele povo de outro planeta, e o autorizou a invadir a Terra e nos exterminar.
Não revelarei aqui o final da história (que envolve um desfecho teológico, não militar). Mas para mim existe um parentesco muito próximo entre essa aventura de FC e textos como o de Zvi Kolitz.
Diante da vitória de uma abominação aparentemente permitida por Deus, muitos deixam de crer em tudo. Outros afirmam que é preciso crer em algo, e crer numa Lei de Deus acima do próprio Deus me parece de uma ousadia comovente.
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