O leitor habitual desta coluna já terá percebido a esta altura que eu tenho uma admiração especial pelos sujeitos a quem falta um parafuso, ou que o têm meio frouxo. Podem conferir: é Bispo de Rosário, Augusto dos Anjos, Campos de Carvalho, Stanley Kubrick... Alguém irá protestar: “Mas são geniais!” Concordo. São geniais, mas eu não deixaria nenhum deles tomando conta de um bebê enquanto eu fosse na esquina comprar cigarro. Não é por nada não. É porque corria o perigo de quando eu voltasse pra casa eles tivessem ensinado o menino a escrever hai-kais, ou a jogar xadrez.
O que nos traz ao nosso doido de hoje, Bobby Fischer, o ex-campeão mundial de xadrez que foi recentemente preso no Japão por estar portando documentos irregulares. Eu tinha 20-e-poucos anos quando Fischer foi campeão mundial, quebrando uma hegemonia de décadas dos enxadristas russos. Naquele longínquo 1972, o xadrez russo era como o atual vôlei brasileiro ou como Schumacher na F-1: sobrava, “não tinha pra ninguém”. Fischer era um “enfant terrible”, temperamental, imprevisível, desorganizado, autodidata. Pegou o campeão Boris Spassky e fez com ele o que Mike Tyson fez com muita gente. Ficou rico e famoso da noite pro dia, remédio infalível para virar pelo avesso um juízo que já não regulava bem.
Num recente artigo no “The Wall Street Journal”, o atual maior jogador de xadrez do mundo, Garry Kasparov, comenta o impacto do surgimento de Fischer. “Ele mudou o xadrez como ninguém o fazia desde o século 19,” diz Kasparov; “A distância que separava Fischer de seus contemporâneos era a maior que já se vira.” Estimulado pelo governo e pela mídia dos EUA, numa época crucial da Guerra Fria, Fischer virou herói nacional, o Homem Que Mostrou Aos Comunistas Quem é O Melhor. Política à parte, Kasparov (que tinha seis anos quando Fischer virou o tapete do mundo do xadrez) reconhece que o americano maluco tinha muitos fãs na União Soviética. “Respeitavam seu xadrez, é claro, mas muitos deles admiravam discretamente sua individualidade e sua independência.”
Fischer recusou-se a colocar o título em jogo e acabou sendo destituído pela Federação de Xadrez. Para Kasparov, Fischer tinha um talento destrutivo. “Ele demoliu a máquina enxadrística soviética, mas não foi capaz de construir algo em seu lugar. Era o desafiante ideal, mas como campeão foi um desastre.” Nos anos mais recentes, Fischer só tem aparecido ocasionalmente na imprensa através de atitudes estapafúrdias: queixa-se de uma conspiração dos judeus para desmoralizá-lo, aplaude os atentados de 11 de setembro, trava brigas intermináveis com as autoridades dos EUA e com os próprios amigos, por motivos fúteis. Fischer foi um sinônimo de brilhantismo, intuição pura, talento puro derrotando a escola russa, tida como imbatível. Hoje, irritadiço, paranóico, egocêntrico, parece cada vez menos com aquele Bobby Fischer, e cada vez mais com os Estados Unidos de George W. Bush.
Um comentário:
Curioso ler essa crônica em uma época em que estou participando de um campeonato informal de xadrez com os colegas de trabalho.
Infelizmente, não ando lá muito bem, e perdi as duas primeiras partidas, hehehe. Mas espero ganhar ao menos uma das cinco totais.
Não conhecia a história do Bobby Fischer, mas parece digna de uma dramatização cinematográfica!
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