terça-feira, 20 de maio de 2008

0400) Chico Buarque de Hollanda (1.7.2004)



Em minha recente passagem por João Pessoa, autografei meu livro Páginas de Sombra no Parahyba Café, numa noite em que, por misteriosa sincronicidade, estava marcado um recital de homenagem a Chico Buarque de Hollanda, que está completando 60 anos. Como eu também estou me aproximando dessa idade, achei por bem dar uma força ao novo sexagenário da praça, por solidariedade prévia, e cantei ao violão algumas das primeiras músicas de Chico que aprendi ao violão, numa adolescência que já me parece tão remota quanto a era dos assírios e caldeus.

O Globo fêz um caderno especial sobre Chico, onde há uma enquete sobre a música preferida de cada um dos entrevistados. Se eu tivesse de indicar uma, indicaria “Olê Olá”, uma canção que muita gente não deve conhecer. É do primeiro disco lançado por Chico, em 1966, e foi provavelmente a primeira música que o vi cantar, em algum programa de TV, na roupa e na pose obrigatória da época: black-tie, perna direita apoiada no banquinho, violão em punho. Era assim que ele entoava os primeiros versos da canção: “Não chore ainda não, que eu tenho um violão, e nós vamos cantar... Felicidade aqui pode passar, e ouvir, e se ela for de samba há de querer ficar...” É a melhor música de Chico? Não interessa. O conceito de “o melhor” é um dos mais desnecessários em arte. A música preferida é aquela com que a gente se identifica mais.

Um aspecto do Chico compositor que me parece pouco abordado é o que eu chamaria “as canções construções”, canções que fazem brincadeiras com a estrutura do conjunto letra-melodia. (Não sei se vocês já perceberam que fazer letra de música é muito mais difícil do que fazer poema de livro. Por isso que a esmagadora maioria das letras de música é tão ruim.) O exemplo mais óbvio é “Construção”, com sua estrutura de frases recorrentes, sua obrigatoriedade de conclusão com palavras proparoxítonas (que servem como um enriquecimento do conceito de rima) e depois o rodízio destas palavras, na repetição dos versos.

Um samba pouco conhecido mas brilhante é “Corrente”: “Eu hoje fiz um samba bem pra frente / Dizendo realmente o que é que eu acho...” A letra é um conjunto de estrofes de 2 versos (1+2, 3+4, 5+6, etc.), e a partir da metade os versos são repetidos na mesma ordem, mas com outra conexão (2+3, 4+5, etc.), o que altera por completo o sentido da letra, sem que uma só palavra seja mudada. O que era uma letra de louvor ao samba torna-se uma letra crítica (a música é de 1976). Curiosa também é a estrutura de “Pelas tabelas”, em que ele usa a última sílaba do último verso como primeira sílaba do primeiro verso da estrofe seguinte (como ocorre naquela musiquinha, “Coelhinho, se eu fosse como tu...”). Chico fêz letra bilingüe (“Joana Francesa”), fêz duas letras para a mesma música (“O que será”)... ninguém na MPB fêz tantas experiências (e com tal qualidade) com as possibilidades da letra da canção popular.

Um comentário:

Anônimo disse...

Pense neste desenho enigmático como tendo um piso preto na forma de losango com um pilar retangular no meio. Cercando este piso tem duas paredes com outro pilar no canto. Agora pisque os olhos e tudo volta ao que era...