terça-feira, 1 de abril de 2008

0343) Campos de Carvalho (25.4.2004)




Não sei se posso incluí-lo entre meus romancistas preferidos, porque não sei se os livros dele são romances, tecnicamente falando. Em todo caso, são livros escritos em prosa, contando histórias fictícias, e com uma certa extensão; então chamemo-los assim à falta de outro rótulo, aliás dispensável. Os romances de Campos de Carvalho são apenas quatro, mas me acompanham mundo afora há mais de trinta anos, ao longo de muitas mudanças de casa, de cidade, de profissão. O autor nasceu em Uberaba em 1916, e morreu há poucos anos. Vi-o entrevistado por Pedro Bial no canal GloboNews. Estava velho, amargurado, emergindo de uma depressão, falando na morte o tempo inteiro. O pessimismo latente em seus livros parecia ter tomado conta de seu mundo.

Não importa. Nos livros, o pessimismo de Carvalho em relação à humanidade se transmuta numa prosa de inventividade incessante, num humor cheio de piruetas e acrobacias verbais sempre inesperadas, muito longe das meras graçolas que parecem ser a moeda corrente no humor literário de hoje. O primeiro, deles, A Lua vem da Ásia (1956), já surpreendia o leitor com sua anti-convencional seqüência de capítulos: “Capítulo primeiro”, “Capítulo 18o.”, “Capítulo doze”, “Sem capítulo”... (Mais adiante há um “Capítulo sem sexo”, “Dois capítulos num só”...) É um monólogo alucinatório em que se suspeita aos poucos que o narrador é um preso num campo de concentração ou um louco num hospício.

Também alucinatória é a voz narrativa de Vaca de nariz sutil (1961, título tirado de uma tela de Jean Dubuffet), o monólogo de um soldado traumatizado pela guerra, que é preso por violar a namorada sobre uma lápide no cemitério. A chuva imóvel (1963) é um delírio que tem como pano-de-fundo a ameaça nuclear, e O púcaro búlgaro (1964), seu livro mais engraçado (para alguns críticos, o melhor de todos), mostra como um grupo de malucos se junta numa expedição para tentar descobrir se a Bulgária existe de fato.

Estes quatro livros foram reunidos por Maria Amélia Mello, da Editora José Olympio, num único e precioso volume que pode ser encomendado hoje em qualquer livraria. São o melhor exemplo brasileiro da literatura absurdista, aquelas obras que, inspiradas na tradição de Alfred Jarry, Franz Kafka, Samuel Beckett, Eugene Ionesco e Albert Camus, mostram um universo onde a vida humana é movida e determinada por forças imensas e sem propósito. Os personagens-narradores de Carvalho são indivíduos massacrados pela lei, pelos preconceitos, e pelos grandes conceitos demagógicos (a Pátria, a Sociedade, a Família...) que são mais desmoralizados justamente pelos que os defendem com mais veemência. São livros escritos por um velho pessimista, mas que, por essa alquimia própria da grande literatura, ainda hoje emocionam e arrebatam os jovens rebeldes. Espíritos impacientes com o Passado e o Futuro, que cravam os dentes no Presente, e seja o que Deus quiser.

2 comentários:

Muiraquitã disse...

Olá,

Você disse que viu a entrevista do Pedro Bial, você tem acesso a ela. Ou ela está disponível em alguma página da internet. Gostaria muito de vê-la.

Até,
Wanessa.

Braulio Tavares disse...

Essa entrevista, se não me engano, passou no Canal a cabo GloboNews, há vários anos. Talvez no saite do próprio canal haja alguma indicação, ou se você buscar no YouTube usando os nomes dos dois.