Dumas escrevia assim por razões de dinheiro, recebia tanto por linha e precisava esticar. Sem contar que, enquanto escrevia a duas mãos o Monte Cristo, estava ao mesmo tempo redigindo La Dame de Montsoreau, Le Chevalier de Maison Rouge, Les Quarante-Cinq. (...)
Eis que assim se explicam aqueles que, em outra ocasião, chamei de “diálogos de empreitada”, onde os interlocutores, fazendo um parágrafo a cada fala, dizem-se durante uma ou duas páginas falas de puro relacionamento, como dois desocupados num elevador. (...)
Dumas faz isso em todos os seus livros. Eco transcreve um longo exemplo tirado de Os Três Mosqueteiros:
-- Não – disse d’Artagnan - , não, confesso-o, não foi o acaso que me pôs no vosso caminho; vi uma mulher bater à porta de um amigo meu...--- De um amigo seu? – interrompeu Mme. Bonacieux.-- Certamente, Aramis é um dos meus melhores amigos.-- Aramis? Que é isso?-- Ora! Quereis dizer-me que não conheceis Aramis?-- É a primeira vez que ouço pronunciar esse nome.-- Mas então é a primeira vez que vindes a esta casa?-- Certamente.-- E não sabíeis que era habitada por um jovem?-- Não.-- Por um mosqueteiro?-- Realmente não.-- Então não era ele que vínheis visitar?-- Nem por sonho. Como viu, a pessoa com quem falei é uma mulher.-- É verdade, mas essa mulher é uma amiga de Aramis.-- Nada sei sobre ela.-- Mora com ele.-- Isso não me diz respeito.-- Mas quem é?-- Oh! Este não é um segredo meu. (...)
Tradutor 1 – Como você traduz “again”?...Tradutor 2 – Depende. Se me pagam por número de palavras, “outra vez”. Se pagam por número de caracteres, “novamente”.
Com o sucesso, Dumas assina com Le Siècle um contrato de colaboração exclusiva: 100 mil linhas por ano, a um franco e meio a linha. Para multiplicar o rendimento, Dumas encontra o diálogo monossilábico e introduz uma série de figurantes pouco loquazes. Donde, a partir de certo momento, precaução dos diretores de jornal: a linha tem de ser completa, e Dumas acaba matando vários personagens tornados inúteis. (pág. 61)
Que deveria fazer o tradutor para responder a um desafio de tal espécie? Se traduz ao pé da letra, sua dignidade se rebela, a mão hesita em repetir sem motivo a mesma palavra, a mesma expressão pré-fabricada, poucas linhas depois; o tédio exigiria que pulasse, enxugasse, encurtasse. (p. 144)
Surge a questão ética da fidelidade ao autor, mas neste ponto o escritor italiano invoca, com pragmatismo, a necessidade de saber quem é o autor, o que buscava com sua escrita, em que condições trabalhava, que tipo de concessões fazia, que tipo de novas concessões (desta vez ao tradutor) estaria disposto a fazer.
Por acaso Dumas não era um autor que trabalhava em colaboração? E por que não, então, em colaboração com um seu tradutor cem anos depois? Dumas por acaso não era artesão pronto a modificar seu produto de acordo com as exigências do mercado? E se o mercado agora lhe pedisse uma história mais enxuta, não seria ele o primeiro a autorizar cortes, encurtamentos, elipses? (pág. 144)
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