segunda-feira, 12 de junho de 2023

4951) Meu livro de 2023: "Não Ficções" (12.6.2023)



Tempos atrás eu estava trocando idéias com minha editora Sandra Abrano, da Bandeirola, e ela falou de sua vontade de publicar textos de não-ficção: artigos, ensaios, crítica, etc.  Me perguntou (retoricamente) se eu "por acaso não teria algum material".  Me toquei que nunca fiz uma coletânea dos muitos artigos que já publiquei sobre FC e literatura fantástica, artigos hoje inacessíveis, porque saíram nos fanzines de meus companheiros de trincheira intergaláctica: o Somnium, o Megalon, o Hiperespaço, o Universo Fantástico, o Borduna e Feitiçaria...
 
Conversa vai e vem, surge agora este livrinho que estamos lançando, sob o título auto-explicativo de Não Ficções, e com o subtítulo mais explicativo ainda de: A Literatura, a Ficção Científica, os Escritores e Seus Escritos
 
Como tenho feito nos últimos anos, será um livro em financiamento coletivo via Catarse, na base do pague agora e receba daqui a alguns meses. O lançamento fica mais interessante ainda porque é em dupla com o livro de George Amaral, Um Estranho Tão Familiar – Teorias e Reflexões sobre o Estranhamento na Ficção. Onde ele examina os processos de estranhamento literário e narrativo, uma das raízes (a meu ver) do famoso sense of wonder despertado pela FC, a sensação de maravilhamento que se tem ao ver uma coisa com um olhar diferente.




No meu livro, reuni textos publicados em jornais, revistas, fanzines, websaites, bem como prefácios e apresentações de livros alheios. Além dos fanzines, há textos saídos no Jornal do Brasil (RJ), Jornal da Tarde (SP) e outros.
 
Aproveitei para colocar artigos variados, tentando não me limitar à ficção científica.
 
Falo de poesia, por exemplo, no texto “A visão cósmica em Drummond e Augusto dos Anjos” (Jornal da Tarde, 1998). Sugiro ao leitor que leia, em sequência os poemas “As Cismas do Destino” de Augusto e “A Máquina do Mundo” de Drummond, para ver suas semelhanças estruturais e filosóficas, como se o texto do poeta mineiro fosse uma “resposta” ao de Augusto.






Falo da cultura popular nordestina, a literatura de cordel e a literatura oral que brota em torno dela; e da ciência popular preservada em obras como o Lunário Perpétuo, o clássico almanaque astronômico e astrológico do interior nordestino. Falo nisso a propósito de que? A propósito de um dos meus personagens favoritos, o cantador de viola John The Balladeer, cujo universo descrevo no texto “A folk fantasy de Manly Wade Wellman” (Megalon, 1999).


E falo da ficção científica na Literatura de Cordel, examinando folhetos como “História do Homem que Subiu em Aeroplano Até a Lua”, cuja autoria é atribuída tanto a João Martins de Athayde quanto a Leandro Gomes de Barros. O folheto foi publicado em Recife no ano de 1923, antes até de Hugo Gernsback, nos EUA, carimbar com o nome de Science Fiction as aventuras interplanetárias que estava publicando.


Alguns artigos vão relatando as descobertas literárias de que participei com meus amigos do CLFC (Clube de Leitores de Ficção Científica). Autores brasileiros, obscuros, que estávamos na verdade re-descobrindo, porque um livro que conseguiu ser publicado por editora não é propriamente obscuro.
 
É o caso de meu artigo de 1993 sobre “A Rainha do Ignoto”, romance cearense, misto de ficção científica e fantasia, publicado em 1899, e que me foi revelado por Carlos Emílio Corrêa Lima. É o caso do texto de 1995 sobre “Statira e Zoroastes”, uma fantasia utópica (um país governado por mulheres” publicado em 1826 por Lucas José d’Alvarenga.  




A maioria destes artigos vem de uma época em que eu estava muito dedicado à pesquisa da literatura fantástica e FC no Brasil, ia às bibliotecas, passava pente-fino nos sebos, mantinha correspondência constante com outros abnegados.
 
Acho importante destacar o texto que publiquei em 1995 sobre “As aventuras de Dick Peter”, o detetive criado por Jeronymo Monteiro, sob o pseudônimo de “Ronnie Wells”. Jeronymo foi um fã infatigável da literatura popular, e a série Dick Peter, que começou como programa de rádio, evoluiu para abarcar livros de aventuras policiais e de ficção científica. Numa história ele está combatendo gangsters em Nova York, no outro está encontrando sobreviventes da Atlântida no interior do Brasil.



Tenho alguns artigos literários publicados fora do Brasil, mas resolvi incluir apenas um, como exemplo, porque o tenho como uma pequena façanha. Publiquei em The New York Review of Science Fiction (março de 1997) um artigo intitulado “From Borges’s Being to Perec’s Nothingness”. Trata-se de um lipograma, um texto em inglês com mais de 600 palavras onde a letra “A” não aparece nem uma vez. É uma homenagem a Perec, o rei do lipograma, e a Borges, porque refere-se o tempo todo ao livro de Borges cujo título é justamente A Letra Proibida.



O estudo da pulp fiction norte-americana me atraiu durante vários anos, e produziu vários dos artigos recolhidos neste volume. Um dos mais curiosos é “O Efeito Hoen” (Megalon, 2001). Em novembro de 1948, um fã chamado Richard Hoen enviou uma carta ao editor da revista Astounding SF afirmando ter gostado muito do número de novembro de 1949 da revista, inclusive citando o artista da capa e os títulos e autores de vários contos. O editor, John W. Campbell, decidiu levar a brincadeira a sério, e teve um ano para encomendar a cada autor um conto exatamente com aquele título. Não conseguiu 100%, mas em novembro de 1949 ali estava a revista “prevista” um ano antes, na qual Isaac Asimov, Robert Heinlein, A. E. Van Vogt e outros escreviam os contos imaginados pelo leitor.



A pulp fiction pode ter tido critérios literários pouco exigentes, mas é um exemplo histórico de literatura imaginativa produzida sob alta pressão. Era possível sobreviver escrevendo contos policiais ou de FC, nos anos da Depressão, mas era preciso escrever o dia inteiro, todo dia, sem descanso nem domingo. Comentei The Pulp Jungle, do prolífico Frank Gruber, que é um memorial dessa época, contando dezenas de fofocas e episódios pitorescos da comunidade dos escritores, mas também fornecendo números, estatísticas do mercado, e dando uma descrição pragmática desse tipo de literatura, pelos olhos de um profissional cínico e calejado. Meu texto saiu no fanzine Somnium (SP), em 2006.



Coletâneas como esta são de interesse de um público reduzido, talvez, público de algumas centenas de pessoas. O fato de termos hoje a opção do financiamento coletivo torna possível uma primeira tiragem de livros pré-vendidos, que serve como impulso inicial para que o livro se torne conhecido e procurado. É diferente de quando a editora imprimia 1.000 ou 2.000 exemplares, guardava num galpão na Zona Oeste, e ficava esperando que alguém tivesse interesse.
 
A projeto através do Catarse é o lançamento da linha “Bandeirola Ensaio e Crítica” da Editora Bandeirola, e, como já falei acima, estou nesta estréia ao lado de George Amaral, com seu Um Estranho Tão Familiar: Teorias e reflexões sobre o estranhamento na ficção, que não li ainda, mas já está na fileira de leituras no futuro próximo. Já publiquei um livro de temática próxima (Freud e o Estranho: Contos Fantásticos do Inconsciente, Casa da Palavra, 2007). Há vários processos de estranhamento na literatura fantástica e de FC.




George é psicanalista, mestre e doutorando em Teoria Literária e Literatura Comparada pela USP. Eu e ele somos os “premiados” com a chance de inaugurar uma série de ensaios que a Bandeirola já está encomendando ou negociando com pesquisadores da FC e literatura fantástica.
 
Aqui, o link com mais detalhes sobre os livros, e as diversas opções de apoio:
 
catarse.me/insolita