Uma das séries de FC mais simpáticas que tem na Netflix é Love, Death & Robots – uma série de animação, em episódios curtos, com histórias bem escolhidas (é uma série no formato “antologia”, com histórias independentes entre si), técnica em geral excelente, e boa variedade de estilos.
O que eu achava fascinante era em parte a escala imensa de suas dimensões, o enorme volume de espaço ocupado por seus braços e pernas, que pareciam confirmar a identidade de meus próprios membros em miniatura, mas, acima de tudo, o mero e categórico fato de sua existência. Não importa o que fosse suscetível de dúvidas em nossa vida: o gigante, morto ou vivo, existia de forma absoluta, proporcionando a nós um vislumbre de um mundo feito de “absolutos” similares, dos quais nós, espectadores ali naquela praia, éramos apenas cópias imperfeitas e pouco significativas.
(trad. BT)
Um fluido escuro e salobro minava dos cotos dos membros que tinham sido amputados, manchando a areia branca e os mariscos. Ao caminhar sobre os pedregulhos da praia, notei que uma certa quantidade de piadas, slogans, suásticas e outros sinais tinham sido recortados na pele já cinzenta, como se o início da mutilação daquele colosso imóvel tivesse liberado um fluxo reprimido de rancor. O lobo de uma orelha tinha sido varado por uma estaca pontiaguda de madeira, e uma pequena fogueira tinha sido acesa no centro do peito dele, enegrecendo a pele.
Há poucas divergências em relação ao conto. No livro, o
corpo aparece vestido com uma espécie de tanga feita de tecido; no filme, está
nu. No livro, o ir e vir das ondas mexe com o cadáver, muda sua posição e o faz
vir para mais perto da areia; no filme, ele fica encalhado o tempo todo no mesmo
ponto. Apenas divergências mínimas.
Amputado, desmanchado, o gigante feito em pedaços vai
sendo distribuído pela cidade, para empresas que fabricam fertilizantes ou
alimento para o gado. Um dos seus ossos vai parar, simbolicamente, na fachada
de um “Açougue Ballard’.
Love, Death &
Robots tem se mostrado uma série de grande virtuosismo técnico e de bom
gosto na escolha dos argumentos: vários episódios se baseiam na obra de outros
autores muito bons, como Harlan Ellison, Joe Lansdale, Michael Swanwick, Joe
Scalzi etc. Alguns episódios têm um clima infantil, estilo Toy Story, outros são mais adultos. Há uma boa variedade de
temas, ambientações, tratamentos visuais, traço, técnicas de animação,
lembrando um pouco aquela “estética de revista” de filmes como Heavy Metal. Com episódios curtos, entre
10 e 20 minutos, cada temporada vale como uma boa antologia de contos.
O conto de Ballard foi publicado pela primeira vez em sua
coletânea The Terminal Beach (1964),
e já em 1965 saiu na Playboy
norte-americana com o título “Souvenir”. Foi incluído na antologia do Prêmio
Nebula, Nebula Award Stories (1965,
ed. Damon Knight) e também em The Book of
Fantasy (1988), a versão em inglês da famosa Antología de la Literatura Fantástica organizada por Jorge Luís
Borges, Adolfo Bioy Casares e Silvina Ocampo (não aparece na edição argentina
que possuo, e que é bem anterior).
6 comentários:
Sensacional a crítica
Sensacional a crítica
Ótima crítica, a história gera encomodo por não responder muitos questionamentos, porém o intuito realmente é esse de trazer a reflexão.
Jbv
Onde posso assistir?
Muito obrigada ajudou demais a fazer meu trabalho sobre ele
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