quarta-feira, 27 de julho de 2016

4139) Jeitos nordestinenses (27.7.2016)



(ilustração: Bode Gaiato)

A gente fala muito das palavras nordestinas típicas, coisas como oxente, arretado, paidégua, rubacão, alpercata, petisqueiro... Mas existem expressões mais longas, frases-feitas, modos-de-dizer, que são a cara da nossa maneira de falar. Aqui vão mais algumas. Sempre, é claro, com a ressalva de que provavelmente não são exclusividade do Nordeste.  Podem muito bem ser usadas há muito tempo em outras regiões e eu é que estou desinformado. Por outro lado, a TV, o cinema e a internet já estão se encarregando há muitos anos de disseminar nossos regionalismos, e hoje a gente tanto escuta um nordestino dizendo “Ô meu!”, porque acha bacana, quanto um paulistano dizendo “Esse menino!” porque acha bacana também.

Então bora lá.

TEMPO DO RONCA
Tempo antigo, remoto, a perder de memória.  "Ah, isso é coisa do tempo do ronca, ninguém liga mais pra isso não!" 

O "Badalo" é uma terra que tem, aqui em Taperoá, e que só dá doido!  A velha Maria Galdina é de lá, e vive cantando umas modas-antigas, umas cantigas-velhas, do tempo do ronca e de Dom Pedro Cipó-Pau!
(Ariano Suassuna, Romance da Pedra do Reino, Folheto LXXV)

SE FOR BOM É MEU!
Diz-se esta fórmula mágica sempre que duas pessoas pronunciam simultaneamente, por acaso, a mesma palavra no meio da conversa.  É tipicamente uma “simpatia verbal” de moças para adivinhar namoro futuro. Ao soar a palavra, uma delas exclama: “Se for bom é meu!”, aí contam quantas letras tem a palavra, fazem a relação desse número com o alfabeto (1=A, 2=B, etc.), obtendo assim a inicial do provável namorado.

AINDA SE USA
Expressão para cobrar de alguém a utilização de alguma fórmula habitual de polidez.  "Êi, moço!...  Vai entrando assim, sem mais nem menos?  Com-licença ainda se usa!"  "Ôi, e nem me agradece, nem nada?  Muito-obrigado ainda se usa!"

...E DANOU-SE
Complemento habitual para qualquer número impreciso.  Uma espécie de aditivo de quantidade, em expressões como "O pai dele perdeu um milhão e danou-se, na seca do ano passado." 

Bernadete vivia com Djanira, rapaz.  Aquele mulheraço do Grupo Porta-Voz.  Faz teatro, ela.  Tem um metro e danou-se.  Os peitos, ó.  A bunda desse tamanho, e pernas e coxas avassaladoras.
(Ricardo Soares, Nadir, Ed. do Autor, Campina Grande, 1975, pag. 96-97)

Também se usa: "... e bote-força". "Não, não sei a idade dele... acho que tem uns trinta e bote-força. “Fulano ficou de passar lá em casa às dez da manhã, mas quando apareceu já era meio-dia e bote força”. 

SE NÃO FÔR, EU ESTRALE
Usa-se como reforço para uma afirmativa qualquer. É uma variação sobre a forma mais anódina “Se não fôr, eu me dane”.  “Aquilo é Fulano, lá na curva da estrada!  Olha o jeito de andar...  Se não fôr ele, eu estrale!”   Variantes: “Se não fôr, eu pipoque!”  “Se não fôr, eu estoure! [pronúncia: “estóre”]”, "Se não fôr, eu choche!" (pron.: "chóche"]. 

AMARRE O BURRO ONDE O DONO DO BURRO MANDA
Ao executar um serviço para alguém, deve-se obedecer sem discussão às ordens do “cliente”, sem questionar sua validade ou seu propósito.  “Eu sei que tem cerveja gelada, mas me mandaram comprar cerveja quente.  Amarre o burro onde o dono do burro manda.”  R. Magalhães Jr. registra: “Amarrar o burro à vontade do dono” (Dicionário de Provérbios e Curiosidades. São Paulo: Cultrix, 1964 (2ª edição).

CANTAR O COCO
Diz-se da agitação tormentosa de quem sofre uma dor insuportável.  “Foi chupar confeito, e um pedacinho caiu no buraco do dente -- deu-lhe uma dor que ele cantou o coco por mais de uma hora.”

CARA LISA
Cara-de-pau; cara cínica.  “Deixe de cara-lisa, eu tenho certeza de que quem espalhou esse boato foi você.”   “Fulano já me deve dinheiro, e ontem veio pedir mais, com a cara mais lisa desse mundo.”

TRANQUILO E CALMO
Locução adverbial que significa "com certeza absoluta, sem a menor dúvida".  "Pode deixar que eu já falei com o Prefeito, e seu emprego vai sair, tranquilo e calmo".   Às vezes a frase leva a supor que a função é adjetiva: "Não se preocupe não, velho, que a gente vai ganhar esse jogo tranquilo e calmo"; mas a intenção de quem fala não é de prever que o time terá uma vitória tranquila, e sim a de dizer que, por mais difícil ou conturbado que venha a ser o jogo, o time não deixará de ganhar.

TIRAR O CORPO
Ir embora; cair fora.  "Acho melhor a gente tirar o corpo e ir beber noutro canto, está chegando aí uma turma meio barra pesada."   No resto do Brasil, existe o equivalente “tirar o time”.  O imperativo "Tira o corpo!"  tem a mesma função de "Cai fora!".

-- Certo. Tem medo de Nadir, né?  Pronto.  Chegou ela. -- O muito esperado por ambos.  Nadir mostrou-se aborrecida.  Trazia outra cerveja.
-- Eu tava convidando ele pra farinhada na casa do meu cabeludo, Nadir.
-- Tira o corpo, Ivonete. 
(Ricardo Soares, Nadir, pag. 28)

SEU MENOR CRIADO
Expressão de deferência, meio em desuso, quando se oferece os préstimos a uma pessoa de respeito. "Muito prazer, sou Fulano de Tal, seu menor criado".

Quando eu cheguei na fazenda
vi logo um homem deitado
apertou-me a mão e disse
sou um seu menor criado
poeta e cantador
João Barraca, falado.
(Severino Borges da Silva, Peleja de Severino Borges com João Barraca)

Me diga como vai sua distinta família
Como vai aquela jóia que é sua linda filha
Como vai seu filho, tipo do rapaz perfeito
E sua senhora, lhe transmito meu respeito
Amigo velho, foi prazer ter lhe encontrado,
Eis aqui um forte abraço desse seu menor criado
(Rosil Cavalcanti, “Amigo Velho”, gravação de Luiz Gonzaga)






Um comentário:

Jorge Candeias disse...

Ainda se usa também ainda se usa em Portugal, com esse mesmo significado. :)