sexta-feira, 22 de abril de 2016

4106) Geraldo Azevedo no Museu da Imagem e do Som (22.4.2016)



Quarta-feira passada, passei a tarde no Museu da Imagem e do Som (MIS), no Rio de Janeiro, participando do depoimento de Geraldo Azevedo para o projeto Depoimentos Para a Posteridade. A sessão de cerca de quatro horas e meia de conversa, dirigida pelo jornalista João Pimentel, teve como entrevistadores eu, Eliana Pittman, Neila Tavares e Carlos Morel.

Acompanho o trabalho de Geraldo há décadas. Ele é de uma geração de compositores e cantores um degrau acima da minha: Alceu Valença, Zé Ramalho, Elba Ramalho, Fagner, Ednardo, Belchior etc. Artistas nordestinos que gravaram seus primeiros discos nos anos 1970. Depois deles veio uma segunda leva de “paraíbas”, incluindo eu, Ivan Santos, Lenine, Fuba, Lula Queiroga, Tadeu Mathias, Alex Madureira e muitos outros.

É sempre bom ouvir a narração da carreira de alguém por ordem cronológica, ver a sucessão de pequenos fatos que vão, sem que a gente perceba, nos conduzindo na direção da vida artística. Geraldo nasceu num sítio em Jatobá, nas vizinhanças de Petrolina (PE). Antigamente, era distante; hoje, o local foi engolido pela cidade, que cresceu muito mais do que sua vizinha Juazeiro (BA).

Geraldo conta que na infância a escola ficava a alguns quilômetros de distância, e ele ia montado num jegue, que já sabia o caminho: parava exatamente no local da professora. Na volta, no sol a pino, o calor era tanto que ele adormecia agarrado ao burro em movimento (como o vaqueiro do conto “O Burrinho Pedrês” de Guimarães Rosa), e o burro voltava para casa sem precisar de guia. A mãe de Geraldo, dona Nenzinha, alfabetizou todos os filhos, e também o marido, já adulto.

Jatobá ficava pertinho do rio São Francisco. Às vezes, nas cheias do rio, as árvores onde os meninos brincavam ficavam só com a copa do lado de fora, e o pai advertia: “Depois que baixar, não subam nessas árvores, está cheio de cobra lá em cima.” As cobras subiam para se proteger.

Ele lembra uma época, já rapaz, quando a equipe de Carlos Coimbra andou por lá filmando Lampião, Rei do Cangaço, com Vanja Orico e Geraldo del Rey. Os dois Geraldos ficaram amigos e tocavam violão juntos. O método preferido naquela época era um daqueles métodos de violão “pé-duro”, de acordes “quadrados”, o Método Bandeirantes. Na mesma época, Geraldo conheceu João Gilberto, que tinha ido visitar o pai em Juazeiro.

Geraldo veio ao Rio trazido por Eliana Pittman, que o tinha visto tocar violão nos bares do Recife. Era jovem, e de repente viu-se tocando com pessoas como Antonio Adolfo e Erlon Chaves. “O violão não tinha captador, era com microfone,” lembra ele. “Quando eu sabia a música, aproximava o violão do microfone. Quando não sabia direito os acordes, afastava”.

Ele fala também dos seus primeiros contatos com outros artistas, inclusive Geraldo Vandré. Quando Vandré se escondeu por causa do golpe de 1968, os dois fizeram a “Canção da Despedida”, que segundo Geraldo foi composta nos lugares onde ele estava escondido: na casa de D. Aracy Moebius (esposa de Guimarães Rosa) e depois no sítio da modelo e atriz Marisa Urban.

Ele fez um longo depoimento sobre as torturas que sofreu depois que foi preso pela ditadura, porque tinha amigos envolvidos com organizações clandestinas e colaborava com desenhos em alguns panfletos. E ironiza o regime. Quando ele e Alceu Valença gravaram seu primeiro disco juntos, em 1972, o então ministro Jarbas Passarinho apareceu na imprensa exibindo o disco, o primeiro disco quadrafônico da música brasileira. Depois, quando Ernesto Geisel visitou a Alemanha para discutir energia nuclear, no pacote de presentes que levou para as autoridade estava outro disco do ex-preso Geraldo.

E por aí vai. A carreira de Geraldo me parece uma carreira única na sua geração de compositores nordestinos. Não conheço nenhum outro, naquela faixa, que domine o violão como ele, que tenha sua inventividade de melodia e harmonização. Cria da Bossa Nova na adolescência, ele evoluiu para outros estilos na idade madura, e assimilou influências da música africana, latino-americana, o rock, o tropicalismo e o mais que se seguiu.

A primeira vez que assisti um show de Geraldo foi muitos anos atrás, quando eu era um cineclubista cabeludo em Salvador, e fui vê-lo no Teatro Vila Velha, um show voz e violão. Na hora do bis, ele pediu à platéia que sugerisse uma música. Eu gritei: “Cravo Vermelho!”  E fiquei super orgulhoso quando ele (que nem sabia da minha existência, então!) tocou. É aquela música linda que começa: “Eu sou daqui – mas vim de longe...”




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