sábado, 19 de dezembro de 2015

4001) A roda gigante (19.12.2015)



Ele estava passando uns dias naquele lugar, a serviço. Era uma cidade pequena mas tinha cinema, tinha um teatro com cartazes anunciando show musicais, e tinha um parque de diversões. Chamar aquilo disso era força de expressão. Tudo bastante precário. Brinquedos enormes, mas muito velhos e desgastados. Na segunda noite ele entrou, pensando somente em fazer algumas fotos com o celular, porque havia uns cartazes e uns ângulos interessantes. Comprou ingresso aqui, cerveja ali, puxou conversa. Na bilheteria viu a morena, a quem chamou brincando de Luluza, ao recolher o troco, e ouviu dela uma resposta que o fez dar uma gargalhada e olhar naqueles olhos pela primeira vez.

Voltou na noite seguinte (o trabalho o ocupava das dez até o anoitecer) e retomou o papo com ela numa brecha entre o fim de uma fila e o começo da próxima. Perguntou: “Parquezinho esquisito, hem?  Por que não botam luzes coloridas, como todo mundo?” Ela de olhos baixos, arrumando notas por ordem de valor: “O dono gosta assim. Tudo preto e branco.”  Ele falou: “Que coisa, hem. E você? Gosta mais de preto e branco ou de colorido?”  Para ele era só um puxa-conversa pra não deixar a peteca cair, manter o timing da simpatia. Teria pegado mal para ela?  Que disse: “Eu danço conforme a música, amorzinho,”. Plantou as mãos na bancada, ergueu os olhos para ele, e abriu um sorriso dentifrício. “Eu sou a esposa dele, e danço a música que ele tocar.” “Oooops,” disse ele, gargalhando, “não se ofenda. Não estou achando feio. Torna-se até uma coisa bastante cult.”

Foi quando ele viu o homem descer da roda gigante, e entrar cambaleando num pequeno chalé de madeira ali perto, passando a menos de cinco metros da bilheteria onde estavam. “Lá vai ele,” disse ela. E depois: “Deixou de beber. Agora ele dá uma volta na roda, desce tonto, e escreve.” “Escreve o que?”  “Romance. Vai dizer que nunca ouviu falar de...” Ele anotou o nome, soletradamente. “E como deixaram ele fazer a cabana dele aqui dentro?”, perguntou, e ela: “Ele é o dono do parque. Ninguém vive de literatura neste país. Quando sobrevive, pode pegar uma cerva e comemorar.” Ele entendeu “uma serva”, gargalhou, fez sinal de positivo, legal.

A outra reportagem, a que o levara ali, foi feita, mas logo em seguida ele entregou as fotos e a história (meio dramatizada, e com certa licença poética) do “Eremita High-Tech”. Não, não houve intenção, houve oportunismo. Ele não podia saber que o eremita pularia do alto da roda apenas três dias depois da reportagem.  Deixou a coisa marinando 48 horas e foi apresentar os pêsames à viúva, perguntar se precisava de alguma coisa. “Música, amorzinho, música”.




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