terça-feira, 12 de março de 2013

3131) "Quase Borges" (12.3.2013)




Nas suas derradeiras décadas de vida, Jorge Luís Borges viveu um tipo peculiar de celebridade. Cego, morava na companhia da mãe e de uma empregada, num apartamento confortável mas modesto. 

A TV argentina, imagino, não batia à sua porta toda semana para perguntar-lhe o que achava do hip-hop ou da crise entre judeus e palestinos. Quem o procurava eram poetas e jornalistas do mundo inteiro, que não acreditavam na própria sorte quando ele atendia pessoalmente ao telefone ou à porta, e concedia algumas horas de papo. 

Um desses felizardos foi o poeta Augusto de Campos, que em 1984 visitou o escritor e saiu de lá com anotações que redundaram num relato afetuoso e perceptivo, e na tradução de vários poemas de Borges. Tudo reunido agora em Quase Borges – 20 Transpoemas e uma Narrativa (Musa Rara / Ed. Terracota, São Paulo, 2013).

Augusto de Campos talvez seja nosso maior tradutor de poesia, e certamente um dos responsáveis pela elevação da qualidade e do rigor dessa arte entre nós. Até os que não gostam nem dele, nem de sua poesia, nem de suas posições teóricas tiram o chapéu para o modo como praticou e conceituou, para mais de uma geração, a impossível tarefa de traduzir poemas. 

Toda tradução é uma interferência, porque coloca no poema alheio coisas que não estavam lá na versão original. Toda tradução é perda, porque deixa de incluir coisas que lá estavam.  Toda tradução é distorção – troque uma vírgula, uma sílaba, uma palavra, e o poema já está dizendo outra coisa. 

Como traduzir sem ser infiel? Essa é a pedra filosofal que os tradutores procuram em vão. Um tradutor é um alquimista que muitas vezes transforma ouro em chumbo, quando seu objetivo (irônico, fantasioso, inatingível) é transformar ouro em ouro.

As grandes ousadias tradutórias de Augusto de Campos foram feitas com poetas ingleses, russos, provençais. Traduzir Borges é mais fácil, pela semelhança de cadências, sonoridades e vocabulário entre o espanhol e o português. O verso de Borges é clássico, sereno, rigorosamente rimado e metrificado. 

A tradução de Augusto procura a fidelidade ao que é dito, e admite também certas descontrações de rima, em benefício da harmonia conjunta dos versos: rimar “Homero” com “madeiro”, “coisa” com “duvidosa”, “cinza” com “pisa”. Liberdades que fariam hesitar um tradutor mais melindroso, mas que ele se permite em função da sonoridade e da naturalidade. 

A tradução, principalmente de poesia, é um jogo constante de perdas e ganhos. Augusto segue Borges de perto, e, quando interfere de modo mais rebuscado (veja-se sua solução no primeiro verso de “O Golem”) o faz preservando o tom e a intenção do original.







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