terça-feira, 9 de outubro de 2012

2995) Má ciência (6.10.2012)




(Charles Babbage)

Certos cientistas pertencem àquela espécie de sujeito meticuloso, detalhista, pente-fino mental que não deixa escapar coisa nenhuma.  Deve-se a esses indivíduos (certamente uma minoria) a fama de chatos que os cientistas têm. 

Claro que não é preciso ser cientista para ser assim. Uma vez, um amigo meu, que era técnico de som, foi lá em casa para ouvir algo no toca-discos. No começo da música ele começou a olhar para o relógio e anunciou que o aparelho estava com defeito. Ao invés de 33 rotações e um terço, por minuto, que é a velocidade padrão, estava com 33 e dois terços. 

Eu perguntei: “Mas não é quase a mesma coisa?”. 

Ele estufou o peito, ofendido, e disse: “Para um leigo, sim”.

Charles Babbage, que no século 19 projetou a Máquina Diferencial (um computador mecânico que nunca pôde ser construído) escreveu certa vez uma carta ao poeta Lord Tennyson, a respeito do poema deste, “The Vision of Sin”, onde se lê a frase: “Every moment dies a man, every moment one is born” (“A todo instante um homem nasce, a todo instante um homem morre”). 

Incomodado com essa inexatidão – que deixaria estável a população mundial – Babbage sugeriu ao poeta:  “Sugiro que na próxima publicação do seu poema o verso diga: A todo instante um homem morre, a todo instante 1 1/16 nasce”. E complementa: “O número exato é extenso demais para caber no verso, mas acho que 1 1/16 é exato o bastante para um poema”. 

É um exemplo claro de preocupação com a perfeição do detalhe e total desconhecimento do que se passa no conjunto.

Vi agora um comentário em The Guardian, em 2005, sobre uma canção de Katie Melua, “Nine Million Bicycles”, que dizia: “Estamos a 12 bilhões de anos-luz da borda [do Universo] / É uma suposição. / Ninguém pode dizer que é verdade. / Mas eu sei que estarei sempre com você”.  

Simon Singh escreveu um artigo examinando esta estrofe e declarou que não apenas o número está errado mas é muito grave dizer que ele não passa de uma suposição (“a guess”). Diz ele que o tamanho do universo é um número (13.7 bilhões de anos-luz) estabelecido com grande precisão científica, e sugere que a estrofe passe a dizer: 

"Estamos a 13.7 bilhões de anos-luz 
da borda do Universo observável. 
É uma boa estimativa, com margens de erro bem definidas. 
Os cientistas dizem que é verdade, mas 
reconhecem que esse número pode ser melhorado. 
E com esta informação disponível, eu afirmo 
que sempre estarei com você”.

Ressalva: nem todos os cientistas são (e muitos poetas são) pessoas fanaticamente detalhistas e preocupadas com exatidão factual. É mais um caso de diferença de sensibilidades pessoais do que do modo de ver de suas profissões. 






3 comentários:

Daniel Andrade disse...

é muita loucura dessa galera!
e onde fica o pós-moderno?
essa galera deve odiar tal empreitada hahaha

Anônimo disse...

Tá, 13,7 bilhões de anos-luz é uma boa estimativa com margens de erro bem definidas e 12 bilhões de anos-luz é uma suposição, um chute (errado, que seja, para satisfazer o Simon Singh).

Não vejo contradição :-)

Neymar Brito disse...

Três professores do curso de Eng. Elétrica da então UFPB - Campina Grande, hoje UFCG, nos idos de oitenta e pouco, bebendo e polemizando, um "isso é como cara e coroa, cinquenta porcento! Outro: você não está levando em consideração a possibilidade de a moeda cair em pé! Uuuuuurrrrruuuuu!!!