sábado, 10 de dezembro de 2011

2736) O artista farol (10.12.2011)



(ilustração: Jaron Phillips)

Escrevi uma vez que esses poetas que se dizem influenciados por Arthur Rimbaud deveriam ter radicalizado essa influência e parado de produzir poesia aos 19 anos, como ele fez. É um gracejo, meio sem sentido aliás, porque para ser influenciado por Rimbaud basta ter lido uma vez alguns dos seus grandes poemas. Rimbaud dedicou a sua curta obra, escrita ao longo de cinco ou seis anos, uma intensidade de pensamento e de trabalho equivalente a uma vida inteira de um sujeito normal. Muita gente, contudo, esquece esse trabalho insano e acaba querendo imitar os cacoetes superficiais de Rimbaud: sua andarilhagem, seu homossexualismo, sua grosseria, sua mania de se alojar na casa alheia, seu gosto pelo escândalo... Nem Bob Dylan escapou.

Ou então, é um jovem guitarrista que quer tocar igual a Keith Richard, e uma das primeiras coisas que faz é começar a injetar heroína. Ou um jovem escritor que lê um livro de Faulkner, se deslumbra, ouve falar que Faulkner era um bêbado, e começa imediatamente a beber, ao invés de escrever. A verdade é que é mais fácil e mais divertido imitar os vícios de um artista do que as noites em claro que ele passou estudando e aperfeiçoando sua técnica. Artistas são, muitas vezes, sujeitos com imensa capacidade de concentração, de esforço, de disciplina; mas como têm um lado romântico e anticonvencional minimizam esse esforço, não querem ficar exortando os jovens a se tornarem “operários padrão”. Mas eles próprios o foram, e sem isto não teriam sido grandes.

O pior de tudo é quando certos artistas viveram uma viagem autodestrutiva que os arrastou para o abismo, mas durante esse processo produziram uma obra que perdurou. O leitor desavisado, o leitor jovem geralmente, imagina que para produzir uma obra como aquela é indispensável viver uma vida como aquela. Pensa que tem a obrigação de tomar todas as drogas que William Burroughs tomou, para ter idéias tão anticonvencionais quanto as de Burroughs; pensa que para escrever como Edgar Allan Poe é preciso viver na penúria, enchendo a cara, brigando com os amigos; pensa que tomar remédios tarja-preta o dia todo e ceder a surtos esquizofrênicos vai lhe dar de graça romances como os de Philip K. Dick.

Esses artistas são como faróis. Existem para serem vistos à distância, não para que alguém se aproxime deles. A obra é a luz que emitem, mas no caso deles é preciso saber que essa luz revela os penhascos ameaçadores onde foi fincada. Dizem aos navegantes: “Este lugar é perigoso!”. Feliz o artista que, mesmo naufragando entre os penhascos, consegue produzir alguma luz que diga: “Afasta-te daqui! Foi aqui que naufraguei!”.

2 comentários:

Gustavo Rodrigues disse...

Paulo Coelho, se não me pesa a inveja de viver bem por escrever mal, disse que uma de suas influências era a obra de Jorge Luís Borges. Para fazer um joguinho cretino pegue o conto "O Aleph", de Borges, e "O Aleph" da imitação masculinizada de Madame Mim, dos gibis de Disney.
Tudo legal. O Coelho não quis ficar cego, não vivia com a mãe, não viveu literatura na Europa, nem trabalhou na Biblioteca Nacional argentina. Mas é pior do que as mal tramadas tentativas de parecer com o pai da criança, e vendo que a criança nasceu com cara de japonês, não sendo esta sua nacionalidade - a do pai.
Na idade de adoecer eu li os livros do Mago, o que considero um retrocesso em meu conquistado prazer de LER, pois antes eu já era amigado com as obras de Machado de Assis e de Eça de Queiroz. Não li o seu Aleph e sou apenas mais um invejoso pelo fato de Paulo conseguir tornar-se invisível ao passar por uma multidão. Ele é absolutamente sem-comentários.
Quem sabe Paulo Coelho não morre cego, de terno e gravata, uma bengala, mas bem mais cedo?

Pablo Nogueira disse...

Muito boa a imagem do farol, e a ideia de que ela assinala também um ponto de perigoso naufrágio existencial. Eu tenho para mim que em parte quem criou essa subcultura foi o Blake, com aquele adágio "o caminho do excesso leva ao palácio da sabedoria", num movimento, na verdade, de contestação ao racionalismo associado ao ideário burguês. Só que isso foi absorvido pela indústria cultural, resultando neste estereótipo do comportamento boêmio do "gênio" - gênio é outra criação da sociedade burguesa, aliás.
Bráulio, sou fã do seu trabalho e estou contente de ter descoberto este blog.
abs, Pablo