quarta-feira, 5 de outubro de 2011
2679) “The City & The City” (5.10.2011)
Este romance de China Miéville (2009), sem ser um livro de ficção científica, tem uma dessas premissas que só ocorrem a quem tem uma mente de FC, a quem raciocina em termos de FC. É a mente especulativa, capaz de criar cenários hipotéticos sem se preocupar com sua plausibilidade, pensando apenas na sua coerência interna. A premissa de Miéville é: “E se existissem duas cidades-estado (cada uma delas um país diferente, com idioma diferente, leis diferentes, economias diferentes) dividindo o mesmo espaço físico?” Para um visitante, seria uma cidade só; para as pessoas que ali vivem, seriam duas, e vivendo numa enorme tensão social e política, de modo que os habitantes de uma são obrigados a não-ver e não-ouvir (“to unsee, to unhear”) os habitantes da outra. Ignoram-se; do jeito que uma madame, ao sair da joalheria, ignora um mendigo que lhe estende a mão. Não existe. Não faz parte do seu mundo. Não está ali.
Claro que o livro desse autor tipicamente londrino lembra muitas situações da vida real. Buda + Peste; Berlim Oriental e Ocidental; a Jerusalém compartilhada por judeus e palestinos. Mas ele radicaliza essas situações. Tudo começa com um crime (é um romance policial) cometido na cidade de Beszel (que se situa imaginariamente na Europa Oriental) e cuja investigação leva o Inspetor Borlu a visitar ambientes e interrogar pessoas que estão na “cidade vizinha” de Ul Qoma. Habitantes de uma e de outra vivem lado a lado, cruzam-se na rua, trafegam com seus carros pelas mesmas avenidas, mas não podem se falar, nem sequer se ver. Para falar com alguém da outra cidade uma pessoa tem que passar por um gigantesco edifício cheio de passarelas e viadutos, apresentar passaporte, visto, etc., e depois voltar de carro, às vezes para a mesma rua onde mora, para poder bater na porta do outro. Porque, mesmo ocupando o mesmo espaço físico, aquela casa está em outro país. E a situação política entre os dois é de uma tensa rivalidade.
Um leitor há de se perguntar sobre os milhares de pequenos quiproquós que podem surgir a partir de uma situação como esta; Miéville dá a sensação de que previu todos, e os esclarece satisfatoriamente no transcorrer da narrativa, a ponto de sentirmos a presença física e contraditória das duas cidades, que têm arquiteturas diferentes, roupas diferentes, carros diferentes. Uma é mais rica, a outra é mais classe média; uma é mais ocidentalizada, outra mais oriental (e aqui evoca-se Istambul); uma é mais conservadora, a outra é mais cosmopolita. É um romance de mistério policial com forte conotação política e uma premissa fantástica discreta, velada, onipresente e invísivel.
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Um comentário:
Caramba Braulio! Fiquei interessado em ler...
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