sábado, 25 de dezembro de 2010

2436) Natal 2010 (25.12.2010)


(xilogravura: Lynd Ward)

... e o Natal, sorrateiro, se aproxima
como quem não quer nada, e já querendo;
vem feérico, álacre, metuendo,
amarrado a cetins e prestações.
E o mundo inteiro estende os seus cartões
e mergulha mais fundo no vermelho...
E daí? As vitrines são espelho
do mais fundo desejo encastoado:
o de amar para em troca ser amado
e comprar com presentes um futuro.

Foi-se o tempo em que a noite era de escuro!
Hoje é tudo um Niágara de luz,
e as turbinas de quantas Itaipus
alimentam tamanha Babilônia?...
Na minha treva, brilha só a insônia.
Na minha festa, uma canção: tumulto.
Quando é Natal eu me concedo indulto
e brindo, e canto, e rio, e até abraço.
Esqueça o que escrevi. Faça o que eu faço,
pois é tempo de encontro e ritual.

Dezembro se derrete em água e sal
nas calçadas do Rio, flamejantes,
como os dezembros que vivemos antes
até que chegue o não viver nenhum.
E eu fico aqui, enchendo o meu balloon
com a mesma linha-guia de Teseu
que no dédalo oscuro se atreveu
deixando apenas texto atrás de si;
meu carretel é tudo que escrevi,
uma ponta na mão, outra lá fora.

Olho a janela. Nem sinal de aurora.
Tão somente a bendita escuridão
(toda noite parece a projeção
de um filme que nos rapta e nos define;
a insone madrugada é o ultra-cine
em que o mundo se enxerga refletido
nesse cristal esférico e polido,
a membrana-por-dentro do Universo)
...e cada estrela dá de graça um verso
e assim será por toda eternidade.

Mas da vida eu já vi mais da metade,
e, mais perto do fim que do começo,
trocaria os vinténs do que conheço,
por um salto de volta à estaca-zero.
Vibrar uníssono com o mundo, eu quero.
Seguir sempre pensando, além centúrias.
Venha a vida, suas dores, suas fúrias,
seus desesperos, seu viscoso tédio.
Quero seguir vivendo; meu remédio
é a mesma doença que me esgota.

Do mundo eu não dispenso nem um jota,
um ceitil, um farelo, um grama, um quark.
Quero tudo, o mais punk ou o mais dark,
mas que seja um aval de Estar Aqui.
Quero sempre viver o que não vi,
avançar, bicicleta em corda-bamba,
mergulhar na ladeira que descamba
rumo a tudo (o que inclui o rumo ao nada)
quero a vida, esta veia dilatada,
latejando num só diapasão.

E quanto vai durar meu turbilhão?
Quanto tempo, o meu vórtice antientrópico?
Este esforço tão vão, mesmo ciclópico,
de vencer o duelo com o Ninguém?
Maior do que Solaris era Lem.
Mais complexo que a trama do “Ulisses”
era Joyce, sua dor, suas doidices.
Toda obra de arte é um resíduo
de um tumulto ambulante, um indivíduo,
que passou como passa um redemunho.

Estou vivo. Abro os olhos. Cerro o punho.
Faz um ano somente. O rio passa.
Pouco importa o esforço da barcaça
de tentar contrapor-se à correnteza.
Melhor soltar-se livre que ser presa
ao sonho de remar rumo à nascente.
Logo... estendo o cartão. Compro o presente.
É Natal. Custa nada, ser feliz?
Custa nada, dizer: “É o que eu quis”,
este loop com o verso lá de cima?...

9 comentários:

Anônimo disse...

Beleza, Braulio. Parabéns!


Abraços,
Livia Garcia-Roza

elMalungo disse...

e assim, passamos os natais.

feliz 2011!

RANGEL JUNIOR disse...

Neste você se superou, caba véi! A surpresa do verso final foi d+.
É desses que a gente, mesmo sabendo onde está na rede, por segurança, copia e guarda, como nos velhos tempos. Um bom 2011, êxitos e inspirações.

Anônimo disse...

Não entendi o "loop com o verso lá de cima".
Preciso de uma luz, rss! É sério.

RANGEL JUNIOR disse...

Não tenho autorização pra responder, mas foi exatamente esta "tirada" esperta que comentei antes e que achei a maior sacada do poema, pra fechar com chave de ouro. "Loop", aqui, poderia ser lido como "som repetido"... aqueles sons sequenciados eletronicamente... ou seja, o cara fez um 'loop' com o verso "lá de cima"... "se aproxima". Na verdade fez uma rima do último verso com o primeiro do poema. Sacou?

Wedmo Mangueira disse...

Essa estrutura eu já conheço, Bráulio. Mas agora você a pôs em formato de poema, não em formato de prosa, como já fizera anteriormente...

Esses textos circulares são ótimos para representar o ciclo da vida, não? Daí, talvez, o fato de você usá-los sempre nessas datas fronteiriças de fim de ano - natal e reveillon -, quando mais um ciclo se encerra e outro está prestes a começar (se repetir?)...

Seria o eterno retorno nietzscheano nos dizendo como estamos presos a esse labirinto chamado história... como estamos fadados a sempre nos repetir... indefinidamente?

Abraço!

José María Souza Costa disse...

Parabens pela inovação na formação textual
Passei aqui lendo. Vim lhe desejar um Tempo agradável, Harmonioso e com Sabedoria. Nenhuma pessoa indicou-me ou chamou-me aqui. Gostei do que vi e li. Por isso, estou lhe convidando a visitar o meu blog. Muito Simplório por sinal. Mas, dinâmico e autêntico. E se possivel, seguirmos juntos por eles. Estarei lá, muito grato esperando por você. Um abraço e fique com DEUS.

http://josemariacostaescreveu.blogspot.com

Ivan disse...

Tief,
tief
tief
E tão perto de nós na superfície.

José de Paiva Rebouças disse...

Mais um texto fantástico.

Amigo Bráulio, sou de Mossoró/RN, amigo de Kydelmir (o cangaceiro), e gostaria muito de conhecê-lo, ainda que não seja pessoalmente, mas através de e-mail. Deixo o meu contato, no caso de você me dá uma resposta positiva, me cedendo um endereço eletrônico.

Chamo-me Paiva, e assino as matérias no Jornal De Fato (www.defato.com) como Jotta Paiva.

Abraço