quinta-feira, 17 de junho de 2010

2160) Elementar, meu caro Watson (9.2.2010)



Pra variar, quem definiu numa só linha o filme Sherlock Holmes de Guy Ritchie foi Roger Ebert, que disse: “Quanto menos eu me lembrava de Holmes, mais eu gostava do filme”. Filmes assim podem servir para serem comparados a um gigantesco cânone de adaptações prévias, mas podem (e deveriam) ser vistos em seus próprios termos. Se Guy Ritchie tivesse batizado seus heróis como Sherman Hollis e James Watt-Evans, e os tivesse feito habitar o número 122 de Bickenhall Street, os críticos acabariam percebendo semelhanças e fazendo conjeturas, mas nada poderiam cobrar em termos de fidelidade à fonte. Por outro lado, ele estaria jogando no lixo o trunfo mais precioso de seu filme que é justamente a griffe do personagem mais famoso de todos os tempos.

O filme de Ritchie é um bom filme de ação dentro dos termos dos filmes de ação contemporâneo. Não tem a estrutura complexa e surpreendente de outros filmes do diretor, como Snatch, embora o revisite, em cenas como a do matadouro de porcos e das lutas de boxe com os punhos nus. A trama é cheia de pequenos mistérios que são resolvidos de maneira satisfatória à medida que a ação avança, e conta com os rapidíssimos flash-backs que estão cada vez mais sendo postos em uso: quando vem a explicação verbal do que aconteceu, brota na tela durante um ou dois segundos a cena correspondente, indicando o instante em que o detetive encontrou a pista certa. Filmes policiais por toda parte estão usando este recurso, e seria bobeira um filme sobre Holmes não o usar.

O que o diretor (qualquer diretor) usa com mais gosto é o que a indústria chama de “set pieces”, cenas inteiras e completas em si mesmas, que requerem uma roteirização e uma coreografia específica dos atores, da câmara, de tudo. O filme tem várias; as duas mais impressionantes são a da briga no estaleiro, que bota tudo abaixo e acaba jogando no mar um navio inacabado, e a do duelo final na ponte em construção. Não é difícil perceber por que motivo o cinema industrial ama tanto cenas desse tipo. Ao contrário das cenas introspectivas e minimalistas do Cinema de Arte, que são uma viagem pessoal e um prazer quase solitário do diretor, cenas gigantescas e movimentadas como estas envolvem uma equipe inteira durante semanas ou meses. São dias e dias de planejamento, dias e dias de filmagem, e depois meses inteiros de ilha de edição, onde os efeitos especiais são aplicados, de um em um. Os técnicos adoram essas cenas, em que sua competência e sua criatividade são postas à prova diariamente. São aqueles momentos em que um dublê, um assistente de câmara, um operador de grua ou um técnico em computação gráfica sentem-se tão importantes quando o diretor ou o astro do filme, porque a realização da cena depende de uma tarefa que cabe a ele executar de maneira impecável. O cinemão dá a essas equipes gigantescas a felicidade guerreira de realizar e botar na tela algo que parecia impossível.

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