quarta-feira, 7 de abril de 2010

1876) “O carteiro sempre toca duas vezes” (14.3.2009)



Revi na TV este policial “noir” de Bob Rafelson, baseado num romance do grande James M. Cain. O romance policial “noir” tem muito a ver com a Grande Depressão econômica dos EUA nos anos 1930. Em primeiro lugar, o desemprego e a falência generalizada aumentaram o crime, porque todo mundo tinha que se virar para poder dormir e comer todos os dias. O crescimento das revistas populares, “pulp magazines” ocorreu porque elas eram, junto com o cinema, um dos divertimentos de massa mais baratos e mais acessíveis. E ali surgiram essas histórias literariamente toscas, mas concebidas e executadas num ritmo frenético, num clima de oficina literária coletiva, em que os escritores se encontravam nos botequins e cafés, liam (e imitavam) os contos uns dos outros, emprestavam-se dinheiro, trocavam de namorada, discutiam idéias tentando encontrar uma brecha que lhes permitisse publicar nas revistas que pagavam melhores preços – alguns centavos de dólar por palavra.

Os livros de James M. Cain são herdeiros desse clima literário. Um clima que ainda não se esgotou, porque a literatura produzida nessa época continua a sê-lo, pelo sucesso que fez depois que revelou nomes como Dashiell Hammett, Raymond Chandler, o próprio Cain, Horace McCoy, David Goodis e outros. Seus equivalentes hoje seriam talvez Elmore Leonard, James Ellroy, Dennis Lehane.

O filme de Rafelson tem a estrutura desjuntada do livro original. Nele temos, como é típico um romance “noir”, um crime planejado às pressas, e mal executado, por pessoas sem experiência. Depois, uma investigação policial e um julgamento cheios de falhas. E por fim a morte casual de um dos criminosos. No romance “noir”, o crime em geral não compensa, mas não porque a Justiça prevaleça. A Justiça em geral é corrupta ou incompetente (todo mundo percebe que os dois mataram o marido dela, mas ninguém se interessa em provar). É a Vida que não compensa. O romance “noir” é a história de personagens que não têm chances de ganhar a vida de modo honesto, metem-se no crime, e dão invariavelmente com os burros nágua.

O filme tem o título em português de “O destino bate à porta”; é uma forma alegórica e diluída de dizer “The postman always rings twice”. Li o livro há uns trinta anos e não lembro se no texto há algum comentário que justifique o título. Na minha memória ele tem a ver com a cena em que Jack Nicholson, recém-empregado num restaurante de beira de estrada, pendura na porta o letreiro de “Fechado” para poder agarrar a esposa do patrão, Jessica Lange. É como se o título dissesse: “Vamos logo, vocês não têm muito tempo, alguém vai bater na porta e interrompê-los”. E o ato sexual entre patroa e empregado, que mal se conhecem, é brutal, sequioso, sem carinho, mas com o grau de violência permitido entre duas pessoas que rapidamente descobriram que são do mesmo tipo. É um filme que deixa um gosto amargo na boca, e certamente era esta a intenção.

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