terça-feira, 6 de abril de 2010

1872) Colecionando autógrafos (10.3.2009)



O que leva uma pessoa a colecionar autógrafos? Em princípio é para dar a si mesma a ilusão de que conhece aqueles “famosos”, ou melhor, de que eles a conhecem. E de fato, um autógrafo com dedicatória é prova de que pelo menos uma vez, por um breve minuto, essas duas pessoas estiveram frente a frente, em carne e osso, no mesmo zero cartesiano do Espaço e do Tempo, e o Famoso olhou nos olhos do Anônimo, sorriu, pegou a caneta e escreveu: “Para Zezim das Couves, um grande abraço e votos de profunda simpatia de Ronaldo Fenômeno...” É o quanto basta para Zezim das Couves calar a boca de meia dúzia de implicantes.

Se for assim (pergunta minha cabeça lógica) de que adianta o mero nome rabiscado, sem dedicatória que identifique a circunstância? O nome rabiscado poderia tê-lo sido a qualquer momento, em qualquer lugar a mil quilômetros de Zezim. O autógrafo pode ter sido achado por Zezim na rua, pode ter sido surrupiado ao verdadeiro dono, pode ser sido comprado... Mas mesmo assim, Zezim não se importa. Consulta seu caderno de registros e diz: “Já tenho duzentos e trinta e sete”.

Pois é. Começam assim as grandes caminhadas da vida: o colecionador-em-botão pega o autógrafo de Nélida Piñon, pega o de Xuxa, e se vangloria: “Já tenho dois!”. Parece que a partir de certo ponto (e um ponto muito próximo do princípio) a coleção de autógrafos cede ao peso do critério quantitativo. Pouca importam as figuras ali representadas. O que conta mesmo, como em toda competição, é ter um a mais que o competidor mais próximo.

É neste ponto que me assalta uma dúvida mais do que legítima. Se o que vale mesmo é ter uma enorme quantidade de autógrafos, bem que Zezim poderia abordar quaisquer pessoas na rua e pedir-lhos. Ou, pelo menos, pedi-los a todos com quem se relacionasse no dia-a-dia; o porteiro do prédio, o taxista, a garçonete, a caixa do Banco, a balconista... “Como é seu nome?... Waldereyde, você poderia assinar aqui pra mim?” Mas algo me diz (ou diz a Zezim) que não vale. O autógrafo tem que ser de alguém famoso, tem que ser de uma celebridade, tem que ser de alguém que está num degrau acima de nós, nunca no mesmo ou num abaixo.

O autógrafo como prova de um encontro pessoal com a Celebridade só tem rival num curioso hábito da cultura roqueira dos anos 1960-70. Entre algumas “groupies” (tietes; garotas que viviam azarando os cantores, os músicos da banda, os técnicos, os contrarregras, ou seja, quem quer que estivesse envolvido com o show, e tivesse espaço vago na cama) havia o costume de, depois de transar com as Celebridades, fazer um modelo de gesso das suas, bem, das suas partes íntimas, e guardá-lo como lembrança. As garotas eram chamadas de “plaster casters” (algo como “as engessadoras”) e viviam comparar suas coleções de troféus. (O filme The Bang Sisters, de Bob Dolman, com Goldie Hawn e Susan Sarandon, conta a vida madura de duas dessas ex-groupies).

Um comentário:

Fraga disse...

Me fez lembrar de um rapaz, colecionador em reportagem que li numa revista. Perguntaram a ele qual o autógrafo mais original da vasta coleção. Diz ele que escreveu pro Eugene Ionesco, pedindo a assinatura pro criador do Teatro do Absurdo. E o dramaturgo respondeu: "Desculpe, eu não dou autógrafos. Atenciosamente, Ionesco."