segunda-feira, 5 de abril de 2010

1867) Updike e a arte da resenha (4.3.2009)



Nunca li nenhum livro de John Updike, recentemente falecido, e um dos jesus-pequeninos da crítica literária dos EUA. O New York Times publicou há poucos dias um texto em que Updike, que por muito tempo escreveu resenhas e críticas literárias na imprensa, resume seus mandamentos como resenhador.

O primeiro deles diz: “Procure entender o que o autor quis fazer, e não o culpe por não conseguir algo que ele não estava tentando”. Há críticos que desembarcam num livro armados até os dentes, como Rambos, com o arsenal teórico de um Ismo qualquer. Quando constatam que o arsenal teórico não se aplica ao livro, condenam o livro. Segunda regra de Updike: “Dê ao autor a chance de ser citado diretamente, em pelo menos um trecho longo, para que o leitor possa ter uma noção da prosa do livro”. Muito importante, mas difícil de obedecer sempre numa coluna como esta, em que a gente mal tem espaço para dizer o que achou. O estilo de alguns autores é visível em pequenos trechos (Guimarães Rosa, p. ex.) mas para dar uma idéia da prosa de Thomas Pynchon ou de Marcel Proust, escritores de fôlego largo e períodos quilométricos, seria preciso uma lauda inteira. Terceira: “Comprove sua descrição do livro com excertos do próprio livro, em vez de resumos pouco objetivos”. Aqui também entra a questão do espaço.

Quarta regra de Updike: “Não faça resumo muito minucioso do enredo; e não revele o final”. É impressionante como certos críticos não hesitam em revelar as surpresas de um livro, imaginando, talvez, que todos os leitores do jornal leram o livro ao mesmo tempo que ele. E nem me refiro a livros policiais e de mistério, cuja crítica minuciosa sempre envolve uma certa ginástica para não revelar o essencial. A cultura internética criou o conceito de “spoilers”, revelações que podem estragar o prazer da leitura. Quando encontramos essa advertência no comentário de um livro ou filme, temos a opção de pular aqueles parágrafos e continuar a leitura mais adiante. Poucos críticos de livro usam esse recurso tão honesto e amigável.

Ele diz também: “Se o livro é um fracasso, procure indicar um livro na mesma linha que foi bem sucedido, seja na obra do mesmo autor ou de autor. Procure entender o fracasso. Tem certeza que é do livro, e não seu?” Updike conclui seu cardápio com uma recomendação que não vale a pena somente para críticos e resenhadores, mas é uma espécie de Oração do Leitor. Transcrevo:

“Não aceite resenhar um livro que você está predisposto a não achar bom, ou que se sente na obrigação de gostar, por amizade. Não se considere um defensor de tradição alguma, nem o vigia de normas partidárias, um soldado numa guerra de ideologias, ou um guardião de qualquer tipo de moral. Resenhe o livro, não a reputação do autor. E deixe-se levar por qualquer tipo de encantamento, fraco ou forte, que o livro produza. Melhor compartilhar desse encantamento e louvá-lo, do que condená-lo e recusar-se a ele”.

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