terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

1662) Ou isso ou aquilo (10.7.2008)



Já tive uma discussão horripilante, que durou mais de uma hora, com um rapaz que queria saber se o filme Alien, o 8o. Passageiro era um filme de terror ou um filme de ficção científica. “As duas coisas,” tentei explicar. “É FC pelo universo descrito: uma espaçonave, no futuro, fazendo uma rota comercial entre planetas. E é terror pela presença de um monstro que ameaça os personagens e aterroriza a platéia”. O sujeito era mais irremovível do que as pirâmides, e dizia: “Errado. Ou se é uma coisa, ou se é outra. Uma cadeira é uma cadeira, uma mesa é uma mesa”.

São os males que nos causa a Lógica Aristotélica mal compreendida. Dizer que A é A e B é B é um passo importante para a gente distinguir entre um pão e uma pedra. O problema é que o cérebro de muita gente estaciona aí. Não passa para o estágio seguinte, em que A pode ser B, desde que não haja incompatibilidade entre os dois conceitos. Há conceitos incompatíveis: não imagino como uma banana possa ser um poço de petróleo ao mesmo tempo. Mas uma mesa pode servir de cadeira se eu sento nela, num escritório lotado, e uma cadeira pode servir de mesa quando eu, sentado no sofá, coloco sobre ela um prato de biscoitos e uma xícara de café.

A Terra é plana, ou é redonda? Essa discussão se arrastou durante milênios, porque nossa experiência prática nos diz que ela é plana, e a Astronomia nos explica que é redonda. A verdade é que a redondeza da Terra é tão desproporcionalmente grande em relação a nós que, para efeitos práticos, qualquer segmento dela que nossa vista alcance nos parece um espaço horizontal plano (ainda que irregular, com elevações, vales, etc.). A Geometria nos diz que podemos traçar um polígono com um número imenso de lados, todos retilíneos, e essa figura vista de longe parecerá um círculo. Assim é, transposta para três dimensões, nossa experiência com a redondeza da Terra. De longe é uma esfera. De perto é um poliedro com um número imenso de faces.

Mesmo sabendo que é a Terra que gira em torno de um Sol teoricamente fixo, não deixamos de dizer que o Sol se ergueu, o Sol se pôs, o Sol percorreu o céu... Não o fazemos por mero conservadorismo lingüístico, mas porque essas descrições correspondem a nossa experiência visual, e são corretas – nesse âmbito. Temos hoje dois sistemas de referências para descrever o movimento relativo entre a Terra e o Sol, e convivemos com os dois numa boa.

A maioria das pessoas não sabe, por exemplo, que vemos tudo de cabeça para baixo. As imagens se formam invertidas em nossa retina, como qualquer câmara escura nos demonstra. Passamos os primeiros meses de nossas vidas às apalpadelas, até descobrir que quando vemos uma coisa “no alto” só podemos tocá-la de estendermos a mão “para baixo”, e vice-versa. Os sentidos nos enganam. O cérebro precisa construir, em cima dessa imagem invertida, um software que desminta o que os sentidos nos dizem, para que possamos saber onde as coisas realmente estão.

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