quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

1638) A visão da FC (12.6.2008)



Existem muitas diferenças entre a literatura fantástica e a literatura do “mainstream”. (“Mainstream”, correnteza principal, é um termo muito usado pela crítica para designar a parte principal da literatura de uma época, a tendência dominante. A correnteza principal da literatura de hoje no Ocidente é o romance realista.) Se considerarmos todos os títulos produzidos durante um ano, ou dez anos, veremos que a literatura fantástica (incluindo ficção científica, terror, fantasia, etc.) é apenas uma pequena parte disso. Apenas uma fatia numa pizza redonda e gigantesca. Em outras culturas (no Oriente, p. ex.) o romance realista é cultivado mas não tem uma predominância tão grande. Achar que a literatura serve para reconstituir o mundo em que vive o autor é um cacoete cultural do Ocidente.

Vista desse modo, a literatura fantástica é uma literatura menor: menos títulos, menos autores, menos leitores. É como os partidos pequenos num Congresso, que precisam sempre estar se associando aos partidos maiores para ganharem um mínimo de visibilidade.

Tudo isso ocorre porque a literatura realista pretende lidar com algo mais importante, a Realidade, e o fantástico atrai menos leitores porque lida com coisas tidas como secundárias como a imaginação, o sonho, o irreal, etc. Mas se pegarmos essas duas formas de narrativa e examinarmos como elas abordam a Realidade, vamos ter um gráfico que é o contrário do anterior. Porque o Realismo aborda apenas uma fatia de uma imensa pizza, e o Fantástico aborda a pizza inteira.

O mundo que vemos à nossa volta não é a única coisa real. Coisas imateriais, como as representações subjetivas do pensamento, são reais. O que se passa na cabeça de cada um de nós também é real. Um pensamento não precisa estar “certo” para ser real. As idéias erradas também existem, também são entes, mesmo que sua interpretação dos fatos esteja equivocada. A teoria de que a Terra é oca, por exemplo, é real, existe, embora a Terra não seja oca. Os discos voadores, para Jung, eram uma realidade psíquica tão verdadeira quanto qualquer outra realidade psíquica baseada em objetos concretos. É um erro afirmar que algo, simplesmente por não existir no mundo material, não existe. Se fosse assim, toda a Filosofia seria irreal, porque os conceitos da Filosofia só existem em nossas mentes. Não há filosofia na Natureza.

O fantástico lida com sonhos, com fantasias; propõe situações absurdas que jamais poderiam ocorre no mundo aqui em redor. Através da ficção científica, descreve planetas imaginários, civilizações inexistentes. E tudo isso, curiosamente, é tão real – no plano das idéias – quanto descrições de cavalos e bois, ou histórias ambientadas na corte de Luís XIV. É irônico que a parte maior da pizza literária (o mainstream) se dedique apenas à parte menor do Real, e que caiba à fatiazinha representada pelo Fantástico a abordagem da pizza inteira do Universo.

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