domingo, 31 de janeiro de 2010
1596) A fórmula de Syd Field (24.4.2008)
Cacá Diegues disse uma vez que aqui no Brasil “cinema” é abreviatura de “cinema americano”. Isto é cada vez mais verdade, e uma prova é a importância que têm assumido os manuais de roteiro em nosso mercado editorial.
Quando comecei a me interessar por cinema, os únicos livros que davam dicas de como fazer um roteiro eram Argumento e Roteiro e Elementos de Estética Cinematográfica de Umberto Barbaro, O Processo de Criação no Cinema de John Howard Lawson, um ou outro de Pudovkin. Hoje, em qualquer Siciliano ou Sodiler brasileira, os manuais de roteiro abundam.
Já me vi em situações delicadas quando meu interlocutor, lendo algo escrito por mim, opinava: “Olha, sinto muito mas não está de acordo com Syd Field”. Quando é o contratante que diz uma coisa assim, você gela, porque vê seu cheque batendo asas e acenando com o lenço, fugindo pela janela. Syd Field é o principal oficineiro e manualista de roteiros do cinema americano, e seus livros, lidos febrilmente aqui no Brasil, viraram uma espécie de Bíblia.
Field tem uma fórmula de roteiro (ele diz que não é fórmula, mas é), em que uma história é dividida em três atos. O Ato I tem 20 ou 30 páginas, o Ato II tem 60, e o Ato III tem 20 ou 30.
Estes atos estão separados por dois “pontos de virada”, que são os pontos de transição entre os atos, definidos por reviravoltas que reacendem o interesse do espectador.
E o ato mais longo, o do meio, tem o que ele chama de duas “pinças”, que ocorrem por volta das páginas 45 e 75, e são “incidentes ou acontecimentos que mantêm a história nos trilhos”. E assim por diante.
Está errado? Não. Field e seus seguidores (que são Legião) estudam a fundo o cinema norte-americano, e os americanos, como disse um crítico europeu, “descobriram o segredo do ritmo cinematográfico”. Questionar o ritmo cinematográfico de Hollywood é como questionar as orquestrações da música clássica européia ou a estrutura formal do soneto. Não se pode negá-las. Funcionam, e acabou-se. Mas não são a única possibilidade.
Field teoriza e receita um tipo de cinema, e suas receitas só valem para quem quer fazer cinema narrativo ao estilo norte-americano. O qual não é o único modo de fazer cinema.
Atos, pontos de virada, pinças e tudo o mais não são “universais fílmicos”. São recursos técnicos inventados por uma cultura e um mercado. Nada obriga um cineasta sueco ou romeno a segui-los. Nada obriga um brasileiro.
E não estou me referindo a filmes de arte (Godard, Bergman, Raul Ruiz), onde a platéia deve se curvar aos interesses do diretor. O cinema de entretenimento, em que o diretor deve se curvar aos interesses da platéia, é tão necessário quanto qualquer outro, mas não precisa seguir a fórmula Syd Field, por mais eficaz que ela seja.
Seria como dizer que a fórmula da Coca-Cola é satisfatória, e que por isto o guaraná, a fanta ou a soda limonada “estão erradas”. Fórmulas existem para serem seguidas, mas também para serem inventadas.
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