sábado, 23 de janeiro de 2010

1560) As entrevistas de Clarice (13.3.2008)





Estou lendo a coletânea de entrevistas feitas por Clarice Lispector quando trabalhava na imprensa. O livro (Clarice Lispector entrevista, Rocco, Rio, 2007) traz 42 diálogos que Clarice travou com escritores, artistas plásticos, etc., dos quais 23 já haviam sido publicados numa coletânea anterior (De corpo inteiro) e 19 são inéditos. 

Clarice escreveu em revistas (Vamos Ler!, Fatos & Fotos, Manchete) e jornais (A Noite, Jornal do Brasil). O tom coloquial das entrevistas (onde às vezes ela fala tanto quanto o entrevistado) nos revela sua pessoa de uma maneira mais superficial, mas mais visível, do que a sua prosa às vezes obscura.

Clarice entrevistadora é aquilo que os falantes de inglês chamam de “candid”. Inesperadamente sincera e direta, ela faz em voz alta comentários que em geral a gente deixaria subentendidos. Confessa detalhes pessoais sem intenção de exibicionismo, apenas por estar vivendo um momento de conversa franca com uma pessoa amiga. 

Suas entrevistas eram na verdade bate-papos com pessoas que ela conhecia bem. Cada um desses diálogos envolve elogios recíprocos, admissíveis num encontro entre duas pessoas que se gostam mas que têm a consciência de ser personalidades públicas aos olhos do leitor. Mesmo a sós, são diálogos travados com um olho no leitor, como se estivessem num talk-show de TV.

O que os salva de serem uma rasgação-de-seda permanente é essa franqueza de Clarice, uma pessoa de emoções instáveis, hiper-sensibilidade, sinceridade abrupta. 

Um episódio bem descritivo de sua maneira de ser é contado num poema de João Cabral (“Contam de Clarice Lispector”, em Agrestes, 1981-85). Clarice está em casa com alguns amigos falando sobre a morte, recordando episódios dolorosos e engraçados sobre a morte de outras pessoas. Chega então outro grupo de amigos que vêm do futebol, entusiasmados, e passam a monopolizar a conversa discutindo a partida, “gol a gol”. E a última estrofe conclui: 

Quando o futebol esmorece 
abre a boca um silêncio enorme 
e ouve-se a voz de Clarice: 
“Vamos voltar a falar na morte?”.

As respostas dos entrevistados de Clarice são visivelmente copidescadas por ela, porque vemos em todas a mesma polidez sintática, a mesma correção vocabular, e aquele leve artificialismo que se instala na linguagem oral quando é filtrada pelos parâmetros saia-justa de linguagem escrita. 

Às vezes Clarice tomava apontamentos, outras vezes levava um gravador. Alguns depoimentos são tão longos e taxativos que me dão a impressão de respostas fornecidas por escrito, e não de um diálogo testa-a-testa. 

Os diálogos mais surpreendentes, para mim, são os que ela trava com figuras do mundo do futebol (Zagalo, João Saldanha). A relação pessoal mais distante que ela tem com os entrevistados dá um peso extra às respostas pessoais que extrai de cada um. No geral, são conversas inteligentes e leves, em que o leitor aprende tanto com as perguntas quanto com as respostas.





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