sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

1555) O romance de amor (7.3.2008)



Já ganhei a vida fazendo traduções para grandes editoras (atividade de que me orgulho, e à qual recorro sempre que a grana começa a encurtar). Já traduzi manuais técnicos, livros de auto-ajuda, romances policiais, de terror, de faroeste, de ficção científica. Um gênero para o qual torci o nariz no começo, mas que depois se revelou muito informativo, foi o do chamado “romance de amor” para o público feminino. Faz parte da cultura masculina menosprezar qualquer leitura em que o amor seja o tema central. Não importa se se trata de fotonovelas da Capricho ou Sétimo Céu (eita, como eu sou velho!), de romances de Jane Austen, ou de ensaios sofisticados como o de Roland Barthes. Diante desses produtos culturais, o adolescente rebelde que existe em nós mete os pés e grita: “Falas de amor, e eu ouço tudo, e calo! O amor na humanidade é uma mentira!” E nada mais dizemos, por mais que nos seja perguntado.

Ler (pior: traduzir) os romances de Barbara Cartland ou Barbara Delinsky pode ser uma atividade educativa, porque são produtos cuidadosamente planejados e executados para reproduzir um conjunto de mentalidades que editoras, autoras e leitoras vêm aperfeiçoando entre si há cerca de dois séculos. Como qualquer outro gênero literário, principalmente os de massa, o romance de amor é um conjunto de protocolos, garantindo a quem lê a certeza do que vai encontrar lá dentro, e que pode ser definido como “um pouco mais daquilo mesmo”.

Num artigo recente em The Guardian Kathryn Hughes relata sua tentativa frustrada de escrever livrinhos da Mills & Boon, editora inglesa que vende 200 milhões de histórias de amor por ano. Diz ela, sabiamente, que a maioria dos aspirantes a essa literatura fracassa porque na verdade não gosta desses livros. Quer escrevê-los porque acha que é fácil (acha que eles requerem pouco talento literário e pouca inteligência) e precisa ganhar um dinheiro rápido. E o leitor de best-seller é especialista em best-seller. Percebe, logo nas primeiras páginas, quando o autor é um deles ou não. Percebe quando o autor compartilha seu gosto por aquele tipo de livro ou está somente querendo fazê-lo de bobo.

Diz Hughes: “Todo mundo acha que pode escrever um romance da Mills & Boon, mas é mais difícil do que parece. A principal coisa é não ser condescendente. A editora está cansada de autores espertos que tentam fazer ventriloquismo com uma voz narrativa da indústria de massas e não conseguem disfarçar o fato de que se consideram superiores àquilo tudo”. O romance de amor (como a telenovela) pode ser definido como “uma fantasia de realização romântica em que um herói másculo abandona voluntariamente seu modo evasivo de ser e se compromete a uma vida monogâmica com a heroína”. Além disso, o romance é “uma fantasia sobre a vida das classes superiores”. Seu propósito é garantir por algumas horas, a uma leitora insegura de si mesma, a fantasia da felicidade afetiva e da ascensão social.

2 comentários:

jGp disse...

"Além disso, o romance é “uma fantasia sobre a vida das classes superiores”. Seu propósito é garantir por algumas horas, a uma leitora insegura de si mesma, a fantasia da felicidade afetiva e da ascensão social."

Definição concisa e soberba para o fenômeno dos romance água-com-açúcar, mestre Braulio.

Braulio Tavares disse...

Obrigado... Qualquer dia vou tentar uma definição para os romances masculinos (tipo Tom Clancy) que seriam a "literatura uísque com churrasco".