segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

1441) O jogo de 722 gols (26.10.2007)



Eu vou ter mais cuidado com o que escrevo, porque toda fantasia que ponho no papel tende a degenerar em fato real. O leitor talvez recorde o meu artigo “O Maior Espetáculo da Serra” (15.1.2006), no qual imaginei uma partida eterna entre Treze x Campinense, 24 horas por dia. Pois os jornais noticiam que os argentinos estão se preparando aos poucos para realizar esta minha profecia, assim como o conhecido Pierre Menard tentou reescrever o Dom Quixote. Noticiam os jornais que no aniversário de fundação de Nocochea, cidadezinha a 520km de Buenos Aires, decidiu-se comemorar o evento com um jogo entre duas equipes que foram batizados com os nomes dos fundadores da cidade, “Victorio de la Canal” e “Angel Murga”. O jogo durou 46 horas e terminou com a vitória de Victorio de la Canal pelo elástico placar de 387 x 335. A notícia também informa que tomaram parte na disputa um total de 1.320 jogadores.

Minha primeira visualização do evento foi um campo de futebol gigantesco, com quilômetros e mais quilômetros, e duas equipes, cada uma com 660 jogadores, perseguindo uma bola cujo paradeiro eles só conseguiriam descobrir ligando para o celular dos colegas. Depois me toquei que não. Desse jeito o mais provável é que o jogo terminasse 0x0, mesmo depois de 46 horas. Cada um dos times deve ter utilizado, num campo normal, 60 equipes normais de 11 jogadores, que foram se substituindo umas às outras nos intervalos da disputa.

Esse gigantismo dá uma idéia do fascínio que o futebol exerce sobre a nossa capacidade de fantasiar. Recordo que nos primeiro anos do Pasquim alguém (não lembro o autor) publicou um texto chamado (acho) “O Grande Jogo”, em que duas barras eram colocadas em extremos opostos do Brasil (tipo Oiapoque e Chuí), e num ponto intermediário (digamos, a Bahia) era dado o pontapé inicial para esta partida que iria teoricamente envolver toda a população brasileira. A tarefa seria levar a bola, de acordo com as regras, até o local da “baliza” e marcar o gol. (Imagino que depois que alguém fizesse 1x0 seria permitido dar uma nova saída sem a necessidade de transportar a mesma bola, de avião, para o “círculo central”).

Na época eu considerei este conto uma espécie de ficção científica ou ficção especulativa tipicamente brasileira. O gigantismo (e o absurdo inevitável, kafkeano, desse projeto) era algo que só poderia ocorrer a uma mente brasileira. Que os argentinos sejam capazes não apenas de imaginar, mas realizar um jogo nas dimensões referidas neste artigo prova que podemos até ser os melhores, mas não somos os únicos. Um jogo de 722 gols, 46 horas e 1.320 jogadores é algo de uma intensidade poética que me comove quase até as lágrimas. Se no ano que vem acontecer de novo, eu compro uma passagem aérea para Buenos Aires e de lá vou assistir e cumprimentar os organizadores. É um delírio à altura do país de Borges e de Maradona, o país de Cortázar e de Riquelme.

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