Já me referi nesta coluna (“Um documento humano”, 18.9.2003) ao artista britânico Tom Philips e seu livro A Humument, criado a partir da obliteração parcial do texto de um romance da época vitoriana.
Philips pintou, borrou, rabiscou, cancelou o texto de cada página do livro; destacou, reaproveitou e conectou pedaços de frases em diferentes pontos da página, produzindo novas leituras que inexistiam na obra original. Esse trabalho pode ser visto em: http://www.tomphillips.co.uk/humument/.
Philips não é o único a fazer este tipo de obra, que segue conceitos estéticos bem contemporâneos como “intervenção”, “desconstrução”, “releitura”, etc.
Acabei aterrissando no saite “Altered Books” (http://www.logolalia.com/alteredbooks/) e percebi que se trata de uma tendência coletiva. Os exemplos do Altered Books (de numerosos artistas) são mais simples do que o trabalho de Philips, e muitos, francamente, me parecem um papel carbono do que ele faz. Sem problema. As descobertas da arte jamais se democratizariam se não existissem a cópia, a imitação. Se todos os artistas fossem igualmente criativos, não existiria o diálogo estético, porque cada qual estaria falando uma língua exclusivamente sua.
Descobri agora outro trabalho curiosíssimo, o de Brian Dettmer, intitulado “Book Autopsies” (https://briandettmer.com/art/). Como o título indica, ele faz verdadeiras autópsias em exemplares de livros volumosos, pousando-os sobre a mesa, abertos, e recortando-os cada vez mais fundo. Os resultados se parecem com sítios arqueológicos que são escavados em camadas sucessivas, que ficam expostas umas ao lado das outras.
Dettmer não apenas recorta e escava o interior dos livros, ele usa algumas dessas superfícies assim expostas para pintar, colorir, desenhar, pregar imagens trazidas de fora.
Claro que isto envolve a destruição do livro, mas trata-se da destruição de um único exemplar – desde que não seja um exemplar raríssimo, para mim o que se cria ali é mais importante do que o que se destrói.
Dettmer nos mostra livros volumosos (enciclopédias, dicionários, etc.) que parecem desventrados, estripados, com as entranhas à mostra. Outros parecem revelar em seu interior circuitos eletrônicos, placas de chips. A quantidade de variações que o artista extrai desse método subtrativo é espantosa, ainda mais se considerarmos que, pelo menos em alguns casos, é possível abrir o livro em diferentes pontos e modificar a “moldura” das intervenções feitas.
Em alguns casos o artista privilegia as imagens internas do livro, preservando-as, e desbastando todo o resto. Em outros ele preserva frases, que passam a ser lidas em relevo, justapostas a frases que surgem páginas adiante.
É o mesmo método de Tom Philips,s só que agora numa escala tridimensional. É uma nova forma de arte: destruir para criar; esculpir volumes de páginas com ilustrações e texto; produzir objetos recompostos através da mutilação.
3 comentários:
MAIS DO MESMO ...
O Eric Collette, um artista francês radicado no Rio tem uns trabalhos nessa linha tri dimensional. Estão no site dele:
http://www.eric-collette.com/
Eu também andei trilhando esses caminhos, num viés mais para o gráfico. Quando puder dê uma chegada em:
www.heliojesuino.worpress.com
Esse teu blog tá demais! Vc não vai editar editar um livro reunindo esses textos?
Valeu pelas dicas, HJ... Vou pesquisar! Quanto aos textos, pensei em fazer um livro, mas em que livro eu conseguiria oferecer 1429 crônicas (até aqui), de graça, pra todo mundo acessar quando bem entendesse?!
genial, obrigada por dividir. :)
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