sexta-feira, 13 de novembro de 2009

1361) Os tesouros não merecidos (25.7.2007)




Nos contos fantásticos que envolvem algum tipo de comércio com o sobrenatural (lâmpada mágica, três pedidos, etc.) existe uma lei não-escrita segundo a qual tudo que se pede com facilidade acaba custando um preço inesperado. 

Em “O demônio da garrafa” de Robert Louis Stevenson, o sujeito pede à garrafa mágica uma mansão; logo vem a saber da morte de um tio, que lhe deixa de herança exatamente o dinheiro necessário para construí-la. 

Em “A pata do macaco” de W. W. Jacobs, o velho casal pede à relíquia miraculosa as 200 libras que faltam para pagar a hipoteca da casa; recebem-na como indenização trabalhista pelo acidente fatal que seu filho único sofre no dia seguinte. 

Existe uma lógica cruel no atendimento a esses pedidos ingênuos de pessoas que acreditam que a riqueza é grátis. Ora, como dizia um célebre economista norte-americano, “almoço de graça não existe”. Tudo cobra um preço, mais cedo ou mais tarde.

Outro lugar comum romanesco é a herança inesperada. Foi tão usado que virou anátema – o sujeito que usar isso hoje cai em descrédito, e nem estou me referindo à literatura, falo mesmo em novelas de TV. 

Fulana é uma viúva jovem, honesta, sofredora, que dá duro no batente para criar três filhos. Faltando dez capítulos para o fim da novela, ela recebe a notícia de que morreu uma tia-avó dela no Mato Grosso e lhe deixou de herança um milhão de reais. Surpresas desse tipo foram tão usadas para resolver problemas que perderam a credibilidade. 

Mais sábios são os criadores folclóricos, porque num conto-de-fadas não há nenhuma herança que não venha com uma maldição (“o tesouro é seu, mas você não pode se casar”) ou com uma condição misteriosa e geradora de problemas futuros (“o castelo tem 99 quartos, mas há um que você não pode abrir”).

A sabedoria popular desconfia dos tesouros não merecidos, quer dizer, daqueles que são conquistados magicamente, que caem do céu em nosso colo, que chegam às nossas mãos sem nenhum dispêndio de sangue, suor e lágrimas. Nos contos populares coexistem realidade e fantasia, por isso há tesouros que o sujeito acha simplesmente dando uma topada numa pedra (a fantasia, o desejo infantil da riqueza fácil) mas no pacote vem sempre uma ameaça ou uma punição.

Maldo eu que seja isto também uma reação freudiana (êpa!) das populações camponesas medievais, em cujo seio essas lendas brotaram, a instituições que eles viam com estranhamento, como a da herança. 

Naquele tempo feudal, em que os servos nada tinham de seu, devia ser para eles algo fantástico o modo como a morte de um nobre transferia magicamente para um parente distante seus títulos, seus brasões, seus castelos, seus vinhedos, seus servos. Uma casa nobre em ruínas e farrapos ressurgia para a riqueza devido à morte de um parente distante. Uma fortuna às vezes imerecida, geradora de contos de advertência, sinais de perigo tentando restaurar o equilíbrio de um mundo abalado por esses caprichos divinos.








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