sábado, 10 de outubro de 2009

1293) “Cabaceiras” (5.5.2007)



Estive no Recife participando do Festival de Cinema, o Cine-PE, onde um dos curtas premiados foi Cabaceiras de Ana Bárbara Ramos, que ganhou o prêmio de Melhor Curta-Metragem na opinião do público. Não é pouco. Foram 22 curtas, a maioria deles muito bons. Cabaceiras, ao que parece, tocou o lado emocional da platéia (de 2.300 pessoas por noite) ao mostrar a imensa distância existente entre o cinema que se faz em Cabaceiras e a vida da população local. Comentei aqui, dias atrás (“Roliúde Nordestina?”, 24 de abril) o movimento que está rolando para denominar a simpática cidade do Cariri como a nossa “Roliúde”. Vendo os depoimentos dos cabaceirenses no filme de Ana Bárbara Ramos, fiquei ainda mais convencido do que disse naquele artigo.

O filme resiste à tentação de demorar a câmara durante horas nas formações rochosas do Lajedo do Pai Mateus, por mais fascinantes que sejam. Quem faz isso são os fotógrafos que vêm de fora e que ficam de queixo caído diante daquela geologia surrealista. A câmara (de João Carlos Beltrão) se demora é nos rostos das pessoas, que falam longamente sobre o orgulho que sentem por sua cidade, pelo fato de pessoas de fora virem filmar ali, e tudo o mais. Mas ergue-se no meio dos depoimentos aquela queixa que tantas vezes se repete nos habitantes dos lugares nordestinos que servem de locação para filmes: por que só querem filmar o lado feio, o lado árido? Uma das moradoras compara a cidade com uma cabaça: por fora, parece seca, desinteressante, sem beleza alguma; por dentro está cheia de sementes. “Essas sementes são as pessoas”.

Peço emprestada essa singela metáfora para reafirmar que precisamos olhar o lugar em que vivemos com olhos nossos, e não com os olhos de quem vem de fora. Quem sabe o que temos a oferecer ao mundo somos nós, e não eles. Eles vêm aqui atrás de “mandacarus, canaviais e figurantes” – o que não é nada demais, afinal moram em planetas distantes como o Rio ou São Paulo, e para eles a Paraíba não passa de um lugar pedregoso e místico, uma espécie de Judéia perdida no século 21. Vi ontem, num artigo de Luís Zanin, uma frase de Paulo Emílio Salles Gomes (um dos nossos maiores críticos cinematográficos) que coloca bem esta questão: “Não somos europeus nem americanos do norte, mas destituídos de cultura original, nada nos é estrangeiro pois tudo o é. A penosa construção de nós mesmos se desenvolve na dialética rarefeita entre o não ser e o ser outro.”

Estamos o tempo inteiro nos comparando com europeus, com americanos do norte, com cariocas, com paulistas, com pernambucanos. Precisamos fugir às duas maldições do subdesenvolvimento: recusar raivosamente tudo que vem de fora, ou usar servilmente como espelho tudo que nos vem de fora. A Paraíba tem uma tradição cultural (cinematográfica, inclusive) que poucos Estados têm neste país. Não precisa recorrer a Hollywood para afirmar a existência de Cabaceiras.

Nenhum comentário: