quarta-feira, 16 de setembro de 2009

1262) Ave Modigliani (30.3.2007)


(Modigliani)

Modigliani era um gênio, um dos grandes pintores do começo do século 20. O tratamento visual que ele deu à figura humana é inesquecível. Imprime-se em nossa memória para sempre, basta ter folheado aos quinze anos um álbum de seus quadros. Sua pessoa tem também aquela aura de romantismo e tragédia tão importantes para os tais adolescentes que adentraram o mundo da Arte em coleções como “Gênios da Pintura”. Consta que quando ele morreu no hospital, sua namorada, Jeanne Hébuterne, voltou correndo para a água-furtada onde os dois viviam, jogou-se lá de cima e morreu também. O que me lembra, ao revés, uma frase cínica e irretocável de H. L. Mencken: “Não importa o quanto uma mulher ama um homem, ela o amará muito mais se ele se suicidar por ela”.

Modigliani transformava todas as mulheres em silhuetas esguias, altas, longilíneas, como se, ao caminharem nuas pelo interior do quarto, elas estivessem sendo atraídas pelo Céu, pelo Grande Atrator da Beleza que provavelmente reside num Ponto Ômega qualquer do espaço. Elas têm uma sensualidade lânguida, epidérmica, mas inesgotável, capaz de ser ativada pelo toque da impressão digital correta. Uma vez, no Museu de Arte, exibimos O Ano Passado em Marienbad de Resnais, mas como o projetor não tinha a lente Cinemascope, exibimos o filme com a imagem distorcida, horizontalmente achatada, e o rebatizamos como “O Ano Passado em Modigliani”.

Mas Modigliani morreu jovem. Pintou sei lá quantos quadros, mas pintou pouco em comparação ao que teria pintado se tivesse vivido mais. Por falar nisso, Picasso, que morreu com mais de 90, também pintou pouco, porque se estivesse vivo até hoje ainda estaria pintando até com um mouse. Todos os grandes artistas morrem cedo, morrem jovens a qualquer idade, porque nos dão a impressão de terem acessado, por acaso ou por obstinação, algum veio profundo da Criação, o qual lhes possibilitaria a produção ininterrupta de grandes obras enquanto vida tivessem.

Suponhamos, então, a existência de um admirador de Modigliani, um jovem pintor de talento chamado Leon Zebriskovsky, que estudou a fundo a obra do mestre, tinta por tinta, pincel por pincel, e é capaz de reproduzir de olhos fechados suas composições ziguezagueantes, seus contrastes figura/fundo, suas anatomias que brotam de uma região limítrofe entre o ídolo africano, as madonas renascentistas e a aparente desproporção que têm os corpos quando experimentados tatilmente no meio das trevas. Um pintor dotado de todas estas qualidades produziria, um século após a morte do Mestre, quadros que o Mestre não pintou mas poderia ter pintado caso vida tivesse. É uma maneira de prolongar no tempo aquele olhar único e aquela mão sem paralelo, que nos deram tantas epifanias de beleza. Falsário? Imitador? Plagiário? Ou simplesmente um Artista em Grau Menor, que não tem a bênção da originalidade, mas tem, como seu Mestre, um poço artesiano em contato com a Fonte da Beleza?

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