terça-feira, 1 de setembro de 2009

1238) Cidade submersas (2.3.2007)



“O ano é 1989 e o mundo está à beira do caos. O acúmulo de poluição na atmosfera provocou o chamado ‘efeito estufa’, que os cientistas vinham prevendo há anos: a temperatura da Terra aumentou a tal ponto que o gelo dos pólos começou a derreter. Em conseqüência disso, o nível do mar ficou sete metros mais alto, varrendo do mapa praticamente todas as cidades litorâneas. Em Nova Iorque, parcialmente invadida pelas águas, as pessoas tentam viver normalmente, como se nada tivesse acontecido: nas ruas inundadas as canoas substituem os automóveis; a maioria dos edifícios está com seus andares de baixo submersos; os executivos vão ao trabalho remando, usando máscaras antipoluição e enfrentando engarrafamentos de barcos em Times Square. Este é o cenário onde se inicia o conto de James Blish ‘We all die naked’, de 1969”.

O parágrafo acima foi escrito por mim em meu livro O que é ficção científica, de 1986. Hoje, em 2007, é interessante fazer esse ping-pong visual que o leitor decerto deve estar fazendo entre as quatro datas que aparecem nestas linhas. A ficção científica trabalha com isto o tempo todo: misturar passado, presente e futuro em idas e vindas incessantes, que nos possibilitam ver a linha-do-tempo traçada por certos fenômenos. Entre eles o Aquecimento Global, que domingo passado proporcionou um Oscar de melhor documentário a um filme impulsionado pelo ex-vice-presidente americano Al Gore.

Todos sabemos que o mundo está se tornando um lugar mais quente, que os mares irão subir pouco a pouco, e que nossas cidades litorâneas deixarão de existir. James Blish sabia disto em 1969, eu já sabia em 1986, e hoje em 2007 devem haver centenas de milhões de pessoas que também já sabem. Tanta sabedoria não está sendo suficiente para reverter o processo. As águas continuam avançando, Olinda está sendo comida pelas beiras. Mas as pessoas só acreditam em fenômenos rápidos como um tsunami. O mundo está sofrendo um tsunami em câmara lenta há várias décadas, mas como ele não é visível a olho nu, todo mundo dá de ombros e vai cuidar de outra coisa.Em meus pesadelos retornam de vez em quando aquelas arrepiantes imagens das seqüências finais de Inteligência Artificial de Spielberg: Nova York invadida por águas geladas, sob um céu eternamente escuro e nublado, o mar entrando pelas janelas dos escritórios. Sonho às vezes que estou numa cidade assim, deserta, prédios mergulhados numa água oleosa e estagnada. Precisamos usar tábuas para passar de um prédio a outro, tábuas que ligam duas janelas, instáveis como as palafitas de Alagados. Os profetas sertanejos diziam que “o Sertão vai virar Mar, e o Mar vai virar Sertão”. Os escritores de ficção científica dizem que as metrópoles litorâneas vão virar cidades fantasmas, e que os desertos interioranos vão virar acampamentos de refugiados que se dedicarão à economia de subsistência e à guerra tribal. Quem viver, confira.

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