Em 1964, ano do Centenário de Campina, meu pai se candidatou a vereador. Não lembro por que partido. Se eu hoje acho os nossos partidos todos iguaizinhos, imagine naquele tempo. Partidos não passam daquela “sopa de letrinhas” mencionada por Leo G. Carroll em Intriga Internacional de Hitchcock.
Mesmo sem um vintém no bolso, Seu Nilo alugou um jipe velho durante alguns meses, o qual se transformou em Diretório, QG e jatinho de campanha. O motorista era Zé de Iva, e Iva era filha de Dona Joana, que morava por trás da nossa casa, ajudava minha mãe nas tarefas domésticas, e vivia recitando obscuras décimas de repentistas que sei de cor até hoje e cuja procedência nunca consegui estabelecer.
A campanha era, portanto, uma iniciativa artesanal, familiar. Não foi a primeira candidatura dele; quando li o livro de Josué Silvestre, Lutas de Vida e Morte – Fatos e Personagens da História de Campina Grande 1945-1953, descobri que ele tinha se candidatado pelo PSB na eleição de 1951, e teve apenas 45 votos (o único vereador eleito pelo partido foi o Dr. Bonald Filho).
Na campanha de 64 eu tinha 13 para 14 anos, estudava de manhã no Alfredo Dantas, e passava a tarde montado na parte traseira do jipe, ajudando meu pai e Zé a distribuírem papéis impressos, dos quais só me recordo de uma crônica do Prof. Stênio Lopes onde ele contava alguns episódios malazartianos protagonizados por Seu Nilo.
Consumimos um Iraque de gasolina, durante meses. Ele não foi eleito, e acho que levou um certo tempo até tapar o rombo financeiro.
Em 1968, resolveu se candidatar de novo, mas, já escolado, não gastou um ceitil. Era na época da explosão do movimento da esquerda estudantil, do qual eu participava intensamente como espectador. Havia em todo o Brasil uma campanha pela anulação do voto, repudiando as candidaturas falsas, “permitidas” pela ditadura. Todos os dias, as paredes do centro de Campina amanheciam misteriosamente pichadas: “VOTE NULO!”
A única despesa que meu pai teve, durante meses, foi pagar um moleque para percorrer a cidade com um balde de tinta e um pincel, cobrindo o “U” com um traço vertical. Campina ficou coberta, durante meses, de conclamações entusiásticas: ‘VOTE NILO!” Ele teve o triplo dos votos da vez passada, e felizmente não foi eleito.
De quatro em quatro anos eu me sento numa comprida mesa de bar, com amigos que se interessam por política, e consumimos uma Áustria de cerveja discutindo a validade ou não do voto nulo.
Há quem pregue não apenas a anulação do voto, mas a queima pública dos títulos eleitorais, diante das câmaras de TV, como as feministas de outrora faziam com seus sutiãs. No extremo oposto, há os que se cobrem de urticária à simples menção do fato, como se votar nulo fosse pior do que escolher um entre dois mafiosos.
Quando eu voltar pra casa hoje, na hora da janta, vou perguntar a Seu Nilo, quem sabe ele tem alguma das suas soluções malazartianas para me oferecer.
3 comentários:
Maravilha!
Um Iraque de gasolina e uma Austria de cerveja !!!!
Adoraria votar Nilo nessa eleição!!!!
Que delícia!
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