Algum tempo atrás, a artista plástica Ana Teixeira foi parar na 5a. DP quando fazia uma “intervenção artística” na feirinha do Bexiga, bairro tradicional de São Paulo.
Ali acontece toda semana uma feirinha numa praça da rua Treze de Maio. A artista montou sua barraquinha, e colocou uma placa: “Outra Identidade”. Ali, ela oferecia réplicas de carteiras de identidade nas quais, em vez do nome e da foto, o cliente podia escolher uma entre dez frases, como “ainda tenho tempo” ou “não tenho certezas”.
Feita a escolha, a réplica era feita, plastificada, e a pessoa a levava consigo, deixando antes a sua impressão digital num caderninho que funcionava como uma espécie de “livro de presença”.
Ótimo! Em matéria de performance artística ou de instalação conceitual, acho muito mais interessante do que mandar cem baldes de lixo para a Documenta de Kassel sob o título “Pré-Apocalipse Pós-Moderno”.
O interessante, no entanto, é a confusão que a artista causou sem querer. Uma mulher recusou-se a deixar a impressão digital no caderno: “Sei lá o que ela vai fazer com isso!” Não adiantou dizer que as digitais não eram identificadas como sendo de Fulano ou Sicrano. Gerou-se um bafafá, e algumas pessoas foram reclamar à polícia.
O delegado ouviu ambas as partes e deu a sentença: “Não houve crime, foi só um mal-entendido, é um trabalho de finalidade artística, perfeitamente plausível”. Já pensou um delegado dizendo isso? Pra mim é prova cabal de que Deus existe.
Mas o mais cruel vem no fim da notícia, quando Ana Teixeira relata: “O que me impressionou foi a lógica do capital que rege a cabeça das pessoas. Todo mundo ficava me perguntando como eu estava fazendo aquilo sem ganhar nada, sem pedir pagamento. Alguém disse que, se pelo menos eu fosse patrocinada por alguma grande empresa, poderia acreditar em mim, mas como eu não visava nenhum lucro, devia estar com "armação'".
Vejam como a profissionalização do esporte olímpico, por exemplo, já impregnou em nossa mentalidade coletiva a noção de que quem faz algum tipo de trabalho criativo (com o corpo ou com a mente) deve ser patrocinado por uma empresa e servir-lhe de garoto(a) propaganda.
Se todo mundo cobra pra fazer seja lá o que for, que papo é esse de Fulano fazer de graça? É uma lógica perversa, mas com uma relação profunda com o espírito dos tempos atuais (“Se todos nós fazemos assim na política, quem são esses caras para dizerem que não fazem também? Vão fazer, sim, deixa comigo”).
Eu nada tenho contra o dinheiro (se vocês pensam que escrevo de graça aqui no JPb, podem tirar o cavalinho da chuva), mas o episódio de Ana Teixeira mostra que o mais difícil na arte de hoje em dia não é mostrar ao público que você é um grande artista. É convencer o público de que você não está fazendo aquilo somente pra faturar uma “baba” de grana em patrocínio, merchandising, verba por-fora e lavagem de algum caixa-dois.
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