Alguém famoso já disse que o patriotismo é o derradeiro refúgio de um canalha. A frase é meio forte, porque conheço muita gente patriota e sincera. Mas a verdade é que costuma-se invocar o patriotismo quando se trata de fazer sacrifícios pessoais (tipo pagar impostos ou ir para a guerra) em nome de uma entidade geográfica qualquer.
Se alguém me gritasse: “O Brasil foi invadido! Tome aqui um fuzil e uma farda!” eu diria: “Meu amigo! Eu não tenho jeito para essas coisas, mas se precisarem de alguém pra compor um hino guerreiro, é comigo mesmo!”.
Existem dois tipos de patriotismo, aos quais eu chamo de “patriotismo Júlio César” e “patriotismo Asterix”.
O patriotismo à la Júlio César é o patriotismo arrogante, expansionista, conquistador. Amo meu país porque é o maior país do mundo, o mais bonito, o mais livre, o mais rico, o mais forte, o mais cheio de qualidades, e estou disposto a ajudá-lo nessa difícil missão de sair invadindo os países discordantes e libertando-os para que fiquem iguaizinhos a nós.
O patriotismo à la Asterix é o daqueles caras que moram num lugarejo e têm milhares de reclamações e críticas à geografia do lugarejo, à administração pública, à flora e à fauna, aos hábitos sócio-culturais, mas ao primeiro sinal de que um país de fora está querendo anexar o lugarejo, os caras bufam de raiva e vão à guerra armados de ancinhos, enxadas, foices e (para as damas) rolos de amassar pastel e cabos de vassoura. Não se iludem nem um pouco quanto às virtudes e qualidades do lugarejo onde vivem, mas lutarão até a morte para terem o direito de resolverem eles próprios os seus problemas.
Nosso patriotismo brasileiro é contaminado pela retórica vazia e pelos exageros hipócritas dos políticos, mas os poetas têm também sua culpa no cartório. Olavo Bilac, um dos maiores que tivemos, perpetrou aquele famoso poema demagógico (“Ama com fé e orgulho a terra em que nasceste...”) onde nos convoca para amar a vegetação brasileira.
Este patriotismo de livro escolar com Hino Nacional e hasteamento da bandeira teve, no entanto, seu lado positivo. Foi capaz de fixar na mentes de gerações sucessivas a importância desta ficção geopolítica chamada “Brasil”, e bem ou mal precisamos dela, não porque corresponda a uma visão muito profunda da realidade, mas porque temos ficções concorrentes batendo à nossa porta, doidas para tomar o lugar da que herdamos de nossos avós.
Pátrias são ficções. São conceitos úteis, desde que não se transformem em símbolos absolutos.
As pátrias não têm amor maternal por nós. O Brasil não é uma mãe mamífera cuidando de nós, seus filhotinhos travessos. É uma convenção geopolítica onde grupos de indivíduos se alternam no comando do Poder. E não me refiro ao Governo eleito: o Poder é algo mais amplo, mais disseminado e mais inoperável do que o Palácio do Planalto.
Guardem o patriotismo para o Planeta Terra, colegas. Tudo que for menor que ele é gangue de bairro.
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