terça-feira, 30 de dezembro de 2008

0698) O gangsterismo musical (14.6.2005)



A palavra “gangster” nos evoca, por associação fílmica de idéias, a imagem de um sujeito de sobretudo empunhando uma metralhadora e executando desafetos à luz do dia. “Gang”, no entanto, significa quadrilha, e um gangster é qualquer sujeito que forma uma quadrilha, ou seja, reúne um grupo de pessoas para a prática de atos contra a lei. Em alguns casos, são bandidos que executam rivais à luz do dia (embora com um AR-15 em vez de metralhadora, e T-Shirt em vez de sobretudo). Em outros casos, os gangsters são sujeitos normais como eu e você, não usam armas, são incapazes de fazer mal a uma mosca, são bons maridos e bons pais, excelentes companheiros numa mesa de bar ou restaurante – mas fazem parte de um grupo que pratica atos contra a lei e contra o interesse público.

No mundo da música as opções para se tornar um gangster são muitas e variadas, como em qualquer atividade que produza rios de dinheiro, mordomias, notoriedade, capa de revista, rosto na TV. Não é segredo para ninguém que as multinacionais do disco investiram rios de dinheiro no país, e para cada amazonas investido receberam de volta um oceano-atlântico. Como a fórmula-um das multinacionais é uma disputa ferrenha pela pole-position, pela liderança da corrida, pelo podium no domingo e pelo título no fim do ano, as empresas recorrem a todos os artifícios, legais ou ilegais, para se manterem no topo. Ou, no jargão delas, “otimizar custos e maximizar resultados”.

Todo mundo sabe que no Brasil existe o “jabá”, a propina ou suborno que é paga às emissoras de rádio e aos titulares de programas, para que as músicas A e B sejam executadas e as músicas X e Y não toquem de jeito nenhum. É uma queda-de-braço entre empresas, onde o subornado faz leilão entre os subornadores para ver quem lhe paga melhor, em dinheiro ou favores. Num ambiente onde esta situação predomina, a disputa mais importante não é entre música estrangeira e música nacional, e sim entre música economicamente imposta e música livremente escolhida. Promulgar leis obrigando a tocar música brasileira nas rádios significa apenas que os gangsters, em vez de pagarem para que se toque um cantor americano de seu catálogo, vão pagar para que se toque um cantor brasileiro do mesmo catálogo.

O grande problema disto é que ter uma programa de música numa rádio tornou-se uma atividade muito lucrativa, devido ao jabá, e vai ser difícil convencer essas pessoas a abrirem mão do “depósito em conta”, da “verba de divulgação”, do contracheque por “serviços prestados”, dos convites para congressos com-tudo-pago, das mordomias, dos camarotes por conta da produção, dos presentes de fim de ano, e outros desfrutes de que já ouvi falar mas recuso-me a crer. O grande problemas das leis é que elas só existem para os que concordam em cumpri-las. Os que não concordam passam na frente deles, fazem o que querem, enchem os bolsos de dinheiro, e são quem manda de fato na história da música popular brasileira.

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