quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

0658) O Papa dos Chimpanzés (28.4.2005)


(cartum de Knife)

Fui batizado como católico, estudei em alguns colégios católicos (Lurdinas, Alfredo Dantas), tenho muitos amigos que são padres ou frades, mas filosoficamente me considero um agnóstico. O que a Igreja Católica tem de mais interessante é o seu lado individual: seu humanismo, sua filosofia de paz, de compaixão, de solidariedade. Mas seu lado cósmico, sua descrição e interpretação do Universo, diverge da visão da Ciência, e em geral prefiro ficar com esta última. Em todo caso, há um aspecto da Igreja que acho fascinante, e que nunca esteve tão visível quanto nestas últimas semanas: a pompa mística, o ritual milionário, a grandiosa celebração coletiva. Espero não estar pecando ao afirmar que o Vaticano é uma Hollywood com dois mil anos de know-how.

Existe no ser humano uma compulsão instintiva para a transcendência, para imaginar (e querer alcançar) outras dimensões, outros patamares da existência cósmica. Há um conto de Robert Silverberg intitulado “O Papa dos Chimpanzés” que ilustra de forma irônica e compassiva esse impulso. Na história, cientistas isolaram um grupo de chimpanzés e se comunicam com eles através de sinais, numa convivência semelhante à de antropólogos com tribos indígenas. Um dos cientistas contrai leucemia, e, sabendo que vai morrer, propõe informar o fato aos chimpanzés para que estes reflitam sobre a morte dos humanos (que eles consideram uma espécie de deuses). E isto é feito: explicam a noção da morte, de Deus, do Céu.

Este fato desencadeia uma mudança filosófica nos chimpanzés. Semanas depois, seu líder, “Leo”, descobre no lixo uma camisa velha e um chapéu que pertenceram ao cientista morto, e começa a usá-los. E lidera um ritual em que o macaco mais velho, que estava doente, morre pacificamente à beira do rio. Os cientistas percebem que os macacos adquiriram a consciência de um “outro mundo”, e que estão ritualizando a passagem deles de um mundo para o outro. O problema é que macacos começam a aparecer mortos, com sinais de violência, e ao ser interrogado “Leo” responde: “Eles agora são seres humanos. Os humanos quando morrem viram deuses. Os chimpanzés quando morrem viram humanos”.

O problema dos cientistas, daí em diante, é convencer os chimpanzés de que eles não têm o direito de mandar seus semelhantes para o Céu. Este conto tem ressonâncias interessantes com o 2001 de Kubrick/Clarke, onde se faz um paralelo entre a evolução macaco/homem/super-homem, e a frase de Nietzsche, que em Assim falou Zaratustra dizia: “O que é um macaco, aos olhos de um homem? Uma criatura ridícula e objeto de desprezo. O que é um homem, aos olhos de um super-homem? Uma criatura ridícula e objeto de desprezo.” O conto de Silverberg imagina de maneira engenhosa a criação da primeira fagulha de transcendência espiritual (com tudo que vem a seguir) num cérebro inteligente.

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