sábado, 18 de outubro de 2008

0605) A idéia na poesia (25.2.2005)





(Carlos Drummond de Andrade)

Foi Ezra Pound quem difundiu a idéia de que a Poesia consiste basicamente em três elementos misturados: Música, Imagem e Idéia. 

Quando se fala em Idéia, muita gente pensa logo que se trata da “mensagem” do poema, ou seja, “aquilo que o poeta quis dizer”. 

Quero lembrar que a poesia não é uma charada, algo que tem uma resposta oculta que cabe ao leitor descobrir com a ajuda de pistas espalhadas ao longo do texto. 

O Poeta chega e diz: “O animal na torre da igreja encontra-se doente. Duas e duas!” Silêncio respeitoso e perplexo entre a multidão. Aí o crítico de poesia da Academia Francesa pede a palavra e responde: “O animal, tatu. Na torre da igreja, sino. Encontra-se doente, tá tussino.” Palmas, vivas, chapéus voam pelo ar. Não, amiguinhos, poesia não é assim.

Um poema não é uma charada ou uma adivinhação, cujo objetivo é achar a resposta. 

Uma poema não é uma fábula de Esopo ou de La Fontaine, que existe para ilustrar um princípio moral do tipo “Quem tudo quer, tudo perde”. 

Um poema não é uma piada, cujo objetivo é provocar uma gargalhada com a última linha. 

Ou melhor, um poema até pode ser isso tudo, mas provavelmente não será um bom poema, e em todo caso não é com essa finalidade que a poesia existe, ou que a própria noção de Idéia existe na poesia.

Em muitos casos a Idéia de um poema é uma história que ele conta, e essa história pode ser ilustrativa de uma visão do mundo político, filosófica, ou uma mera opinião do autor. Isso não empobrece um poema. 

“O Operário em Construção” de Vinícius de Morais, é um bom exemplo de poema inteiramente voltado para transmitir ao leitor uma mensagem política clara e inequívoca, e que mesmo assim é um grande poema, por ter outras qualidades além dessa idéia (é um poema rico em Música e em Imagem, por exemplo). 

http://www.viniciusdemoraes.com.br/pt-br/poesia/poesias-avulsas/o-operario-em-construcao 

A obra de Brecht e de Maiakóvski é o melhor exemplo de que pode-se fazer poesia política de alta qualidade. Os dois, no entanto, são a exceção, não a regra.

Um poema ganha em sutileza e permanência quando conta uma história mas essa história não se fecha, não se resume numa frasezinha aconselhatória. 

O que é “O Caso do Vestido”, de Drummond? 

http://www.releituras.com/drummond_vestido.asp

Um poema contra o adultério? A favor do adultério? A favor do castigo? A favor do perdão? Quem saberá jamais? O poema se inicia com as filhas perguntando à mãe “o que é aquele vestido pendurado ali”. A Mãe lhes conta a história de como o marido a abandonou por outra mulher, e depois acabou voltando. O vestido é isto? O poema é isto? 

Cada vez que relemos poemas como este ou como “Desaparecimento de Luísa Porto”, “O Padre e a Moça”, “Morte do Leiteiro”, vemos uma história ser contada, e cada resposta se abre em mil novas perguntas. 

Um poema é um gerador de idéias. Ou é um instrumento potencializador das idéias mais presentes em nossa memória no momento da leitura – de tal modo que, quando o relemos, pensamos coisas diferentes das que pensamos nas vezes anteriores.





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