sábado, 23 de agosto de 2008

0518) As Pedras do nosso Reino (16.11.2004)




(Foto: Dantas Suassuna)

Somos dois Estados vizinhos e rivais, embora de uma rivalidade meio promíscua, meio misturada com xamego, como a de dois irmãos com pequena diferença de idade. Os pernambucanos consideram seu Estado mais importante do que a Paraíba, certamente por ser maior, mas a verdade é que a maior presença de Pernambuco não se deve ao seu tamanho, e sim à presença do Recife, uma metrópole que sozinha tem população equivalente a metade do nosso Estado, e que é uma das três capitais “de fato” do Nordeste (juntamente com Salvador e Fortaleza).

Tirando isto, sempre achei que os dois formam um Estado só, porque é enorme a homogeneidade geográfica, corográfica, econômica e cultural entre os dois. Desdobre o mapa, leitor. Existe aos meus olhos uma continuidade nítida entre as duas zonas-da-mata; entre as duas metades da região dos Cariris, ali pela parte central dos dois Estados; e entre os sertões profundos, principalmente no trecho em que a Paraíba se interrompe na direção Oeste, dando lugar à parte Sul do Ceará, a qual, vista do ângulo da Geografia e da História, poderia perfeitamente pertencer tanto à Paraíba quanto a Pernambuco.

Anos e anos de convivência com cordelistas e repentistas reforçaram no meu espírito esta impressão de unidade cultural entre os dois Estados. No dia em que uma revolução qualquer obrigar o Brasil a redesenhar suas fronteiras internas, enviarei moção ao Congresso Nacional propondo a anexação, ao território paraibano, daquele triângulo territorial que tem início em Serra Talhada, subindo na direção de Triunfo, alongando-se via Tabira até São José do Egito e voltando a descer rumo Sul até Sertânia, onde (tirem os chapéus, caros leitores) está sepultado meu avô materno, o velho Pedro Quirino. Tudo isto é território de Cantador, e, para ser sincero, é território independente; tem pouco ou quase nada a ver com Recife e João Pessoa.



Tudo isto me vem à mente ao contemplar a capa do Romance da Pedra do Reino, de Ariano Suassuna (4a. edição, 1976), onde Eugênio Hirsch, um dos nossos maiores capistas de livros, estilizou a imagem das duas Torres de Pedra que concentram o sonho de grandeza de Dom Pedro Dinis Quaderna. As Pedras se situam em São José do Belmonte, na fronteira entre Pernambuco e Paraíba; uma delas é ligeiramente maior do que a outra, assim como o território de Pernambuco é ligeiramente maior que o nosso. As duas Pedras podem servir como metáfora visual dos dois Estados, unidos como duas bananas-filipinas, ou, como intuiu a genialidade de Eugênio Hirsch, como dois dedos, indicador e médio, erguidos num sinal de bênção. O Romance da Pedra do Reino, que neste final de ano será relançado em nova edição pela José Olympio, mostra este território simbólico profundo, retalhado ao meio pelas convenções políticas e cartográficas, mas que não perdeu até hoje a unidade de espírito e a consciência de si próprio.





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