Neste sábado, 21 de abril, entre as 15:30 e 16:30 horas, estarei lançando no Rio de Janeiro meu novo romance, Bandeira Sobrinho – Uma Vida e Alguns Versos (Fortaleza: Imeph, 2017).
Vai ser no CRAB (Centro SEBRAE de Referência do
Artesanato Brasileiro), Rua Visconde do Rio Branco, 3, na Praça Tiradentes.
Fica perto do Teatro Carlos Gomes, em frente ao 13º. BPM: é aquele prédio
grande, cor de cenoura, cuja calçada ficou durante anos ocupada por tapumes e
andaimes.
Sobre o livro: por um lado, acho que é isso que está se
chamando atualmente de “auto-ficção”: uma obra de ficção onde o próprio autor
aparece como personagem. Comentei com um amigo meu: “Não sei por que esse
alarde todo, porque isso já vem pelo menos desde os contos de Borges.” Ele
respondeu: “Pelo menos desde a Divina
Comédia.”
O livro conta a vida de um cantador repentista de Campina
Grande, com quem ficticiamente convivi a partir de 1975, quando eu era um dos
organizadores do Congresso Nacional de Violeiros, um festival de repentistas
que acontecia anualmente no Teatro Municipal Severino Cabral. Em sua fase de
maior sucesso, o Congresso chegou a lotar com 5 mil pessoas o Ginásio da AABB.
Quem organizava o Congresso eram os cantadores locais:
José Gonçalves, Ivanildo Vila Nova, José Laurentino, Juvenal de Oliveira,
etc. A eles juntou-se a chamada “turma
do Museu”, que se reunia em atividades cineclubísticas no Museu de Arte da
FURNe: eu, José Umbelino Brasil, os irmãos Rômulo e Romero Azevedo, meu irmão
Pedro Quirino, o fotógrafo Roberto Coura e vários outros.
Bandeira Sobrinho era um cantador de seus 50 anos na
época (eu tinha metade disso) e circulava como um ectoplasma no meio daquela
poetaria toda. Circunspecto como Manuel Camilo, casmurro como Zé Alves Sobrinho,
ranzinza como Pinto do Monteiro. Por trás dessa fachada cactácea, tinha um
coração de ouro, um grande senso de humor, era cachaceiro e raparigueiro como
todos os outros. (Ou quase todos.)
Bandeira estava cantando certa vez na casa de uma família
bem religiosa, e seu parceiro terminou uma sextilha dizendo:
(...) Porque a fé é meu guia,
minha luz e meu farol.
Bandeira respondeu:
Tenho fé em que o sol
amanhã nasce no leste,
vai cruzar o dia todo
a abóbada celeste
e, como sempre tem feito,
vai se pôr no lado oeste.
Era um agnóstico, o que não o impedia de cultivar um lado
místico e ler de Erich von Daniken até Mircea Eliade. Era grande admirador de
Ariano Suassuna, e no livro transcrevo as estrofes que fez quando foi
pessoalmente conhecer as “Pedras do Reino”, no município de Sao José do
Belmonte:
(...) São ruínas requeimadas
do arraial de Canudos?
Ou gigantescos escudos
de tropas enfeitiçadas?
São os degraus das escadas
do Morro da Encantação,
degraus que à noite um Dragão
desce pra beber na Fonte?
Pedra do Reino em Belmonte,
Trono dos Reis do Sertão!
Bandeira tinha um fusquinha no qual peguei muita carona
para ir assistir suas cantorias, levando a tiracolo meu gravador National e os
bolsos cheios de fita Basf-60. Morou quase sempre no alto da ladeira que leva
ao Alto Branco, a Vigolvino Wanderley, com uma breve passagem pela rua Luiza de
Castro, nesse mesmo bairro.
Registro cantorias dele no Bar Canarinho, na feira de
Campina, em Manuel da Carne de Sol; e episódios pitorescos vividos no saudoso bar
Miúra, na Estação Velha, no Bar de Zacarias, por trás do Estádio Plínio Lemos, e
no Bar do Cearense, no pé da Venâncio Neiva.
Era uma época gloriosa da cantoria de viola, uma época em
que de certa forma o Congresso de Campina marcou de forma indelével, graças
principalmente à ousadia e à capacidade de mobilização de Ivanildo Vila Nova e
sua turma, os critérios de apresentação profissional dos cantadores.
Eu era um simples estudante universitário, um cabeludo “peru
de cantoria”, sempre de gravador ou caneta Bic em punho, registrando versos que
somente décadas depois apareceriam em forma de livro.
A boemia ao lado dos repentistas marcou esse pedaço da
minha vida, e faço minhas as palavras de Bandeira quando disse:
Dos 20 aos 50 anos
gozei tudo que podia:
fui boêmio sem descanso
e gastei uma energia
que dava pra iluminar
do Rio Grande à Bahia.
Farrista, ele? Que o digam lugares como o Vagalume, na
feira, ou a Unidade Moreninha, na Rua das Boninas. Bandeira era muito bem
casado com Dona Zita, o que não o impedia de produzir sextilhas como esta:
Todo casal tem a hora
em que pega alguma briga;
a esposa se consola
contando tudo à amiga,
mas pro marido só resta
cabaré e rapariga.
Era um meio pesadamente machista, o dos cantadores, não
no sentido da violência e do preconceito, mas da aderência a um código de
conduta rígido, implacável, em que o destino da mulher era cuidar da casa e dos
filhos, e o do homem era o que ele bem entendesse.
Ainda assim Bandeira era um romântico, capaz de dizer:
Isso é a vida que traz,
isso é a vida que leva.
Um dia lá bem distante,
quando eu mergulhar na treva,
minha última lembrança
serão os olhos de Eva.
Por trás dos versos e das farras boêmias, a história
mostra pinceladas de uma Campina Grande que em sua maior parte já se foi: a
redação do Diário da Borborema, o
estúdio de Rádio Borborema onde era transmitido o programa “Retalhos do Sertão”...
Nos últimos capítulos o registro de meus encontros com Bandeira já nos anos
2000, no Recife, ele já uma “lenda viva” da cantoria e eu um roteirista de
televisão.
E assim a vida vem, a vida se vai. Como disse o próprio
Bandeira Sobrinho:
A minha felicidade
perdeu-se como a fumaça,
foi uma sombra que passa
com o surgir da claridade;
fugiu-me contra a vontade,
fugiu sem eu nem dar fé;
minhalma hoje é a ré
e o destino seu juiz.
A gente só é feliz
quando não sabe que é.
E apois não é mêrmo?!
O livro ainda não tem distribuição na rede de livrarias,
mas pode ser pedido diretamente à Editora Imeph, aqui:
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