sábado, 13 de julho de 2013

3237) O trem de Gotán City (13.7.2013)




(foto: Gavin Hammond)

Gotán City tem 32 roteiros turísticos de trem.  Comprei o carnê “Vida de Charles Windstern”. O trem chia, o vapor silva, a engrenagem rumoreja e se põe em movimento, e eu tiro da pasta o Guia Informativo.  Desfilam na janela armazéns com vidraças quebradas e manchas verdes de infiltrações antigas.  Outdoors descascando como pele após a praia.  Homens gordos de macacão, sentados em pilhas de dormentes, com charuto apagado na boca.  A primeira parada do trem é na Rua 152, a 1 km da estação. 

Vemos a placa indicando o lugar onde havia a casa em que Charles nasceu, em 2011.  Em seu lugar ergue-se hoje uma pet-shop de oito andares, toda de vidro fumê, luzes de mercúrio, comerciais em loop na fachada de cristal líquido. O altofalante do trem refere-se a Charles como “o último grande pensador do século”. O trem arranca.

A próxima parada, na Rua 200, mostra de longe o soturno Colégio Gospel onde Charles estudou até os 16 anos.  Continua intacto; é mantido por subvenções coletadas em oito países.  No tempo de Charles formava 400 alunos por ano, agora forma 55 (o Reitorado afirma que os critérios tornaram-se mais exigentes). A estátua de Charles no jardim foi removida temporariamente para conserto na tubulação de esgoto.  Está deitada na horizontal, perto do muro, sua mão erguida se projeta sobre o laguinho onde bóiam folhas secas.

As paradas seguintes mostram a praça onde Charles foi alvejado durante uma manifestação sindical; o hospital onde ficou interno durante os seis anos seguintes, cruciais para sua formação teórica, quando leu tudo que estava ao seu alcance; o primeiro shopping onde pregou, pela primeira vez, após a cura e a conversão. Cada vez que o comboio se detém, os vidros-telas das janelas superpõem imagens históricas e texto escrolado à paisagem que observamos lá fora. 

Eu deveria sentir gratidão pela qualidade dos écrans das janelas, a alta definição das imagens que se superpõem ao que vem lá de fora, o esfumado das sombras e das cores, o delineamento das formas. Eu deveria agradecer pela exatidão com que a arte se superpõe ao mundo em pedra e osso.  Eu deveria ler tudo aquilo e acreditar piamente que existiu um dia um cara chamado Carlos Windsurf ou coisa parecida e que o que quer que esse camarada tenha feito mudou a vida, mudou o mundo como o conhecemos. Karl existiu? Foi um líder? Um messias? Um caudilho impiedoso e que falava bem? A viagem continua, e, diz um item no “Você Sabia?” do folheto promocional, “a biografia estocada de Charles tem certa de seis milhões de items para acesso aleatório, de modo que nenhuma vida, nenhuma história é igual à outra em Gotán City.”


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