domingo, 6 de maio de 2012

2863) Games de arte (6.5.2012)



(Thief: Deadly Shadows)

Existem videogames de arte?  À primeira vista isto parece tão absurdo quanto imaginar um serial-killer do Bem.  (E no entanto a TV a cabo acaba de produzir justamente isto, com a série “Dexter”).  A discussão desse tema cai sempre em dois mal-entendidos básicos. O primeiro é confundir o jogo como forma de expressão (sua maneira de empregar os recursos audio-visuais) com as imagens que ele mostra (muita gente acha que para ser um game tem que obrigatoriamente ter monstros, dragões, matanças, etc.).  Essas pessoas geralmente não gostam das imagens que são mostradas ou das histórias que são contadas através daquela técnica, e com isso descreem da possibilidade dessa técnica mostrar outras imagens ou contar outras histórias.

Outro mal-entendido é quando certas pessoas dizem que os games nunca produziram uma obra comparável aos grandes filmes. (Cem por cento dos que dizem isto já viram milhares de filmes e nunca jogaram um game.) É o velho discurso de “se é bom é arte, se é ruim é apenas um game”.  Parece na época do “Sgt. Pepper”, quando os críticos dos Beatles diziam: “O rock não presta.  Se eu estou gostando do que estou ouvindo, então isto não é rock, é música”.  No caso dos games e da arte, a questão não tem a ver com qualidade. Qualquer pessoa define qualidade assim: “Qualidade é o que eu gosto”.

Quando a discussão entra num destes dois atoleiros, nunca mais avança. Uma maneira de avançá-la (levantada recentemente por Roger Ebert, o crítico de cinema) é considerar que na experiência da arte o público encontra a visão de um artista cristalizada num objeto (livro, peça, música, balé, pintura, filme) onde ele interfere apenas com sua própria interpretação, mas não é co-criador. Pode haver um milhão de leituras da “Divina Comédia”, mas o texto é um só.  Já um game é um conjunto de instruções para que o espectador/jogador tome iniciativas, obedeça ou desobedeça instruções, e crie sua própria aventura. Dois jogadores nunca jogam o mesmo jogo; o mesmo jogador nunca experimenta duas vezes o mesmo jogo, por mais vezes que o jogue. Um videogame é o rio de Heráclito, onde cada um só se banha uma vez.

Ou seja, a Arte requer uma Obra sólida, imutável sujeita a mil leituras, mas um Jogo é uma Obra em potencial, não concluída, que nunca será a mesma para quaisquer duas pessoas. Esta é a discussão mais importante sobre a diferença entre Arte e Game.  É uma discussão estrutural, que compara a essência de cada um dos dois e avalia se é possível aplicar a um os juízos de avaliação que são aplicados ao outro.  Inventamos uma nova maneira de contar histórias e não temos ainda os conceitos adequados para teorizar a seu respeito.

Um comentário:

Unknown disse...

Ótimo texto, eu que sou um gamer assíduo já tenho minha opinião formada, mas é claro que essa é uma discussão quase sem fim. Porém, é preciso lembrar que hoje existem exposições artísticas que dependem da interação com o espectador. Além do mais, muitos jogos de videogame têm seu visual inspirado em grandes artistas (Okami, com o estilo das pinturas japonesas, Zelda Skyward Sword, inspirado no expressionismo ou Limbo, com fortes influências da Divina Comédia), sem falar que mesclam com maestria som e imagem, além de ter uma imersão muito maior que qualquer livro, filme ou pintura.

Pra completar, o museu de arte Smithsonian, nos EUA está tendo atualmente uma exibição chamada "The Art of Video Game", inspirada exatamente nesse assunto. Creio que isso é mais do que suficiente pra tirar uma conclusão sólida.

Para mais sobre esse assunto, visite meu blog: www.botecogamer.blogspot.com