sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

2765) Literatura Conceitual (13.1.2012)



Tenho falado aqui nesta coluna sobre a Literatura Conceitual, aquela que ao invés de pretender apenas contar uma história, como se faz desde que o mundo é mundo, inventa um truque ou efeito qualquer, e produz textos que da primeira à última palavra obedecem a essa regra estrutural. Esse tipo de literatura é geralmente praticado por grupos de autores de vanguarda. Os Surrealistas disseram: “E se a gente escrevesse textos sem pensar, sem escolher, sem criticar, escrevesse a toda velocidade o que a mente inconsciente nos diz?”. Os membros da Oulipo (“Ouvroir de Littérature Potentielle”) disseram: “E se a gente criasse regras matemáticas ou geométricas, totalmente arbitrárias, e produzisse textos de acordo com elas?”.

Esse procedimento não é privilégio das vanguardas. Aliás, o que as vanguardas fizeram (justificando seu nome) foi antever processos artificiais (ou pelo menos mais artificiais do que os processos em voga no seu tempo) de produzir textos, os quais começaram a ser postos em prática décadas depois pela literatura de massas. Ultimamente, por exemplo, alguém disse: “E se a gente reescrevesse romances clássicos cujo texto está em domínio público, enxertando neles novos parágrafos, ou capítulos inteiros, com a finalidade de transformá-los em livros de terror?”. E daí surgiram Orgulho e Preconceito e Zumbis de Jane Austen e Seth Grahame-Smith, Razão e Sensibilidade e Monstros Marinhos de Jane Austen e Ben H. Winters, Dom Casmurro e os Discos Voadores de Machado de Assis e Lúcio Manfredi, e vários outros. Esses romances trazem para a literatura a prática, hoje comum na música, que consiste em pegar os elementos originais de discos já gravados e fazer um “remix”, um “mash up”, etc. – ou seja, recombinando, eliminando elementos do original, fundindo-os com os de outras obras, e assim por diante.

Algum vanguardista escandalizado pode espernear dizendo que o termo “Literatura Conceitual” não se aplica a essa prática, que (segundo ele, talvez) não passa de uma jogada comercial. Para mim se aplica, pois Literatura Conceitual não passa de uma literatura que adota um princípio básico, meio arbitrário, de estrutura, de forma ou de técnica, e se atém a ele de maneira radical e inflexível. Comparar os livros citados acima com as obras dos surrealistas e dos oulipoetas revela apenas que as vanguardas são sempre mais bem-humoradas e brincalhonas do que aparentam; e que o público desses romances populares é capaz de entender um jogo conceitual, desde que seja feito em cima de conceitos que lhe são familiares e resultem em processos que eles sejam capazes de acompanhar.

2 comentários:

maurício disse...

Bráulio,
Nunca tive contato algum com tal literatura. Já vi, no entanto, uma adaptação de "Pride and Prejudice", de Austen, adaptado para uma linguagem mais solta. Achei uma coisa ruim, pois mudaram um dos mais famosos parágrafos da história das letras inglesas. Me refiro ao de abertura do primeiro capítulo.

Sinceramente, acho um desrespeito com o autor, de uma forma geral. Sou daqueles que veem que "o que se foi registrado de um jeito, só existe aquele jeito". Digo assim, não apenas pelo conceito que você apresenta com tais romances, e posso julgar errado, mesmo sem conhecê-las, como não sendo boas obras. Mas me posiciono assim com filmes. Tudo bem, é uma outra linguagem e está suscetível a mudanças, mas a narrativa foi contada de um jeito, então, não vejo razão para alternar a sequência dos fatos. Digo, a sequência dos fatos.

Aí entra outro ponto em questão que é justamente o que trabalho na minha monografia: a tradução. Você pode dizer "ah, tradução também é uma adaptação". Sim, ela é uma adaptação, mas acontece que a vejo com um propósito diferente e óbvio: dar acessibilidade a uma coisa que existe em um lugar mas que pode ser transferida para aqueles que não conhecem a língua do texto fonte.

É um pouco contraditório, eu sei, mas acho que é um posicionamento que não vai ter jeito de eu me livrar nunca.

Ivan disse...

http://ossurtado.blogspot.com/2011/05/telepatia.html