quinta-feira, 21 de janeiro de 2010
1552) Roma de Fellini (4.3.2008)
Revi na TV a cabo este filme que muitos críticos torcem o nariz para, mas que é um dos meus preferidos.
Roma não é um documentário (embora mostre o próprio diretor e sua equipe filmando lugares reais e entrevistando pessoas reais, como o escritor-turista Gore Vidal) e não é um filme de ficção (embora tenha atores representando papéis e pronunciando diálogos escritos por um roteirista). É uma mistura dos dois.
Como se Fellini pegasse na estante um dos seus “cadernos de idéias”, folheasse aquela série de fragmentos e dissesse: “Está bom, vamos filmar tudo isto aqui”.
É uma decisão sábia? Nas mãos de um diretor inexperiente, ou apenas vaidoso, seria um naufrágio de proporções titânicas. Nas mãos de Fellini é outra coisa, porque Fellini tem estilo, tem um fio invisível capaz de manter juntas uma porção de contas de cores diferentes.
Se Fellini filmar um enforcamento, uma mulher fazendo chá, uma reunião de acionistas de um Banco, uma briga de galos, um ato sexual, um pênalte defendido pelo goleiro, um pescador escamando um peixe e uma explosão atômica, o resultado será um filme felliniano, porque o modo instintivo como o diretor trabalha o som e a imagem revelará uma insuspeitada harmonia entre aqueles fatos todos, uma continuidade que parecia impossível e se mostrará como óbvia, depois de filtrada pela imaginação sensorial do diretor.
Fellini nos mostra em Roma algo semelhante – um engarrafamento de trânsito, uma festa ao ar livre, a escavação de uma ruína arqueológica, um show de teatro de revista, um bordel, um abrigo antiaéreo, um desfile de modas eclesiásticas...
Tudo nos remete a outros filmes do diretor, não por uma repetição preguiçosa ou pouco imaginativa, mas porque puxa um fio que tinha sido deixado solto num filme anterior. Os Boas Vidas termina com o jovem Moraldo na estação do trem, deixando a cidadezinha natal e indo tentar a vida em Roma; é o mesmo personagem, agora de terno branco, que desembarca na capital, no início de Roma.
O desfile de modas para religiosos lembra alguns momentos de Casanova. Os trechos em que Fellini e sua equipe aparecem nos remetem a Entrevista. As prostitutas são uma re-visita ao mundo de Cabíria, e as cenas de infância são uma prévia de Amarcord. E assim por diante.
David Thomson, que torce um pouco o nariz para o diretor, observa que “ele fazia passar sua pouca profundidade intelectual pelo dilema de um homem de coração terno num mundo em desintegração”, e dizia que em seu cinema “there are no characters, only caricatures” (jogo de palavras que se perde na tradução: “não há personagens, só caricaturas”).
A primeira frase exprime sob uma ótica negativa uma verdade positiva, porque Fellini era um homem certo, o mundo é que está errado.
A segunda frase, igualmente, mostra o equívoco habitual de um crítico (um grande crítico, aliás) que ao provar uma pizza decreta: “Este filé não tem gosto de filé, tem gosto de pizza”.
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