quarta-feira, 24 de junho de 2009

1121) O Som do Concretismo (18.10.2006)


(Augusto de Campos, Décio Pignatari, Haroldo de Campos)

A poesia concreta deu uma ênfase excessiva ao visualismo, tornando-se com isto o ponto mais alto da poesia escrita, da poesia que só existe no espaço visual, na página. Ao mesmo, tempo, entretanto, ela promoveu o desmembramento da palavra em unidades menores autônomas: a sílaba, a própria letra. E com isto trabalhou as sonoridades, as aliterações, as paronomásias, os jogos de palavras que sempre levam a Poesia de volta ao terreno da fala e do canto. Parece que o grande alvo, o grande adversário do Concretismo não era tanto a Fala e sim a Discursividade, o blá-blá-blá retórico de uma poesia que falava muito e dizia pouco, ou que tentava dizer muito recorrendo a conteúdos mas mostrando um enorme desleixo quanto à forma. Aquilo que Leminski chamou “uma poesia porosa”.

O Concretismo explodiu essa discursividade profusa, confusa, prolixa. Compactou a sintaxe, erodiu todo o supérfluo, redefiniu as relações entre as palavras usando novos conceitos geométricos e espaciais, numa tentativa de quebrar a fluência beletrista da “poesia de bacharéis” capaz de encher com texto descartável léguas e mais léguas de papel indefeso.

O Concretismo tentou reduzir a poesia ao essencial, baseado naquela velha equação (Dichten = condensare) em que o termo alemão para “poesia”, “Dichtung”, mostra suas raízes no verbo “condensar” e termos correlatos (denso, densidade, etc.) Poesia é linguagem concentrada, compactada, o máximo de sentido no mínimo de palavras.

Sem o Concretismo o caminho poético de Gilberto Gil e Caetano Veloso seria outro, como seria outro o de artistas posteriores como Arnaldo Antunes e Chico César. Todos estes são poetas (poetas da música, é claro, mas para efeito da presente análise não se distinguem dos poetas de livro) que se beneficiaram do que o Concretismo descobriu ao explodir o supérfluo e voltar ao essencial. Mas, ao defender a bandeira do Visual, os poetas paulistanos trouxeram de volta à luz o que a poesia tinha de auditivo, redescobrindo a importância do som das palavras, e o prazer lúdico cuja origem está na Oralidade.

Os poetas do grupo Concretista (Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari) pagaram caro pelo seu eventual elitismo, pela sua propensão à polêmica, e pelas críticas impiedosas dirigidas à produção poética que lhes era contemporânea – críticas que, mesmo quando esteticamente fundamentadas, encontravam resistência devido ao tom às vezes arrogante ou desdenhoso com que eram formuladas.

Quando tentou cantar embaixo de vaias a música “É Proibido Proibir” num festival de música, Caetano Veloso bradou para a platéia: “Se vocês em política forem como são em estética, estamos feitos!” (ou seja, “estamos lascados”). Se o grupo concretista tivesse tido uma habilidade política e uma flexibilidade diplomática à altura das suas muitas e fundamentais contribuições estéticas, sua influência na poesia brasileira teria sido muito maior e mais benéfica do que efetivamente foi.

Um comentário:

Felipe G. A. Moreira disse...

Gostei muito desse post. Aliás, gostei muito do blog, descobri ele hoje, vou passar a ler.

Se o concretismo fosse um argumento filosófico, acho que ele seria assim:

1. ⌐ Livro (como mídia).
2. Livro (no sentido de Mallarmé).
Logo, Poesia Concreta (Verbivocovisual).

Sobre 1: Os poetas concretos estavam influenciados por McLuhan; eles achavam que as novas mídias (muito mais capazes de passar a informação imediata / efêmeramente) iam tomar o lugar do livro.

Sobre 2: o projeto de Mallarmé, de uma poesia formalmente impecável que explicitasse uma espécie de a-priori sensível eterno precisava ser seguido.

Sobre a conclusão: a pretensão era fazer uma espécie de acordo discordante com as mídias de massa; usar a forma publicitária e efêmera para dizer o eterno imediatamente. Quero dizer, a pretensão era fazer uma espécie de orgia sensível (Verbivocovisual); apreensível como um cartaz publicitário é imediatamente apreensível.

O problema, para mim, é que os concretos nunca conseguiram atingir essa poesia imediata que eles prometiam; o leitor tinha que ler o poema e estudar a teoria por detrás; o que eles faziam, então, era uma arte conceitual que ainda demandava o livro (como mídia). Como o livro (como mídia) não morreu; acho que a melhor maneira de seguir o projeto de Mallarmé hoje não é tentando seguir a experiência verbivocovisual pretensamente imediata e pós-livro (mídia) dos concretos, mas assumindo a poesia como arte conceitual.

Bem, é isso que eu estou tentando fazer ao menos...

http://aplasticabesta.blogspot.com/

Abs, Felipe.