sexta-feira, 19 de junho de 2009

1100) Mondegreens na MPB (24.9.2006)




“Mondegreens” é um termo corrente na música pop, e se refere a trechos de canções cujas palavras são entendidas erradamente, dando origem a versos sem pé nem cabeça. 

A origem do termo, diz-se, é uma canção folclórica inglesa que a certa altura diz: 

“They had slain the Earl of Moray / and laid him on the green" (“Eles mataram o Conde de Moray / e deixaram-no estendido na relva”). 

Alguém escutou os versos assim: “They had slain the Earl of Moray / and Lady Mondegreen” (“Eles mataram o Conde de Moray / e Lady Mondegreen”).

Nossa MPB é fértil em mondegreens. Um dos mais engraçados é o daquela música gravada pelo grupo Brylho nos anos 1980, que diz: “Na madrugada, vitrola rolando um blues / tocando B. B. King sem parar”, que muita gente ouvia: “Na madrugada vitrola rolando um blues / trocando de biquíni sem parar”... 

Confusões deste tipo são facilitadas quando se ouve música no rádio, cuja reprodução nem sempre é boa, ainda mais em lugares barulhentos.

Uma vez eu estava com alguns amigos escutando um disco do cubano Sílvio Rodríguez, uma bela canção chamada “Sueño con Serpientes”. O poeta fala que está sonhando com uma serpente, e diz: “La mato, y aparece una mayor”. Alguém ouviu uma, duas, três vezes, e disse: “Esse cara é muito doido. Olha só o que ele fala: La maconha parece um lá-maior”. Estragou o ouvido de todo mundo. Nunca mais a gente conseguiu escutar a música do jeito certo.

Quando eu era pequeno, ouvia a música “Chiquita Bacana”: 

“Chiquita Bacana lá da Martinica / Se veste com uma casca de banana nanica! / Não usa vestido, não usa calção / inverno pra ela é pleno verão... / Existencialista, com toda razão, / só faz o que manda o seu coração!” 

Minha mãe cantava isto e eu ia entendendo tudo, até chegar nesse “existencialista”. Eu, que aos 10 anos ainda não tinha lido “A Náusea”, ouvia a letra assim: “Existe, e se alista, com toda razão!” 

Se alista onde?, perguntaria o leitor. E eu teria respondido, com uma fluência que na época já possuía: “Ora, se alista no grupo das pessoas que fazem o que lhes dá na telha!”

Deve haver alguma razão freudiana para que a simples menção de Chiquita Bacana me perturbe as funções interpretativas. Acho que é a postura carnavalizadora, bakhtiniana. 

Porque há uma marchinha de Caetano Veloso (e aqui eu já tinha meus 20-e-poucos anos) que diz: 

“Eu sou a filha da Chiquita Bacana / nunca entro em cana porque sou família demais...” 

O final da segunda parte é assim: “E a moçada toda grita, iê-iê-iê... Viva a filha da Chiquita, iê-iê-iê... Entrei no Women’s Liberation Front!” 

Era uma alusão ao movimento feminista da época, mas no rádio eu ouvia: “Entrei no hímen, liberei, chon-fron!” Pra mim, fazia sentido. Inclusive esse “chon-fron” final, que eu, partidário das modernas Teorias da Recepção e da Obra Aberta, interpretava por minha conta como sendo um sinônimo de “tran-chan”, “zás-trás”, ou, paraibanamente, “pêi-bufo”.




2 comentários:

Renata Lins disse...

acabei de aprender a do Women's Liberation Front. e não sei bem o q eu cantava, pq algo eu cantava. certamente não isso.

Braulio Tavares disse...

Renata, eu já sonhei com poder fazer pesquisas-de-boca-de-urna, ooops, pesquisas-de-porta-de-show com pessoas que cantaram essas coisas a plenos pulmões minutos atrás: "Vem cá, cê tava cantando o quê? Canta aqui, pra gente registrar".