Tempos atrás eu trabalhei numa empresa, e num dos postos de decisão administrativa havia um rapaz de seus 30 anos, que não era má pessoa, mas era de uma auto-suficiência só comparável a sua enorme desinformação.
Não, não estou me queixando de que ele nunca tivesse lido os poetas gregos e latinos (que eu também nunca li); mas em qualquer discussão ficava a toda hora com o olhar perdido no vácuo, e respondia com a mais descomprometida das generalizações. Se alguém lhe perguntasse, por exemplo, o que ele achava da Seleção Brasileira, ele diria: “É preciso jogar pelas pontas”.
Um dia, na cantina, perguntei a um colega o que diabo aquele cara fazia num cargo de tanta responsabilidade. Por acaso era genro do patrão? O cara mastigou o sanduíche, tomou um gole de Coca, e explicou: “Ele morou fora”.
A resposta talvez não explique tudo, mas para mim explicou o principal. Constatei que o nosso chefinho tinha morado um ano em Nova York e seis meses em Londres. Como, não sei, porque o inglês dele era ainda mais estropiado do que o meu. Mas tinha morado fora, e este dado curricular sempre acaba tendo peso.
Achamos que ter morado fora é como ter feito um curso, ou seja, bem ou mal o sujeito aprendeu alguma coisa que o torna superior aos que nunca esticaram o elástico-umbilical que nos mantém presos à Pátria. Morar fora, também, envolve um certo mistério, porque nunca conseguiremos saber com certeza se as proezas contadas na volta aconteceram ou não.
Mais importante do que “voltar contando vantagem”, no entanto, é um outro aspecto mais sutil: voltar sentindo vantagem.
Já conheci muitos caras que foram passar um tempo fora e voltaram transformados para melhor. Sujeitos tímidos e tartamudos transformaram-se, depois de um ou dois anos fora, em professores eloqüentes e capazes. Moças introspectivas, daquelas de quem só se arranca uma decisão a poder de fórceps, voltaram desabrochadas em líderes feministas capazes de calar uma assembléia inteira.
Que espinafre espiritual lhes trouxe tanto vigor? Imagino que tenha sido a experiência traumática mas educativa de enfrentar um país estranho, uma língua estranha, uma cultura estranha, um ambiente onde não tem mamãe nem papai nem os amigos-de-botequim para nos dar calor humano ou para compartilhar nossas dúvidas. Ali, é você-mesmo contra o Mundo. Você só tem dois caminhos: ou cresce, ou desaparece.
Isso se dá com jogadores que passam pela Europa e retornam, ou com cantores que fazem o circuito europeu e de repente precisam enfrentar as platéias nacionais. O sujeito já cantou numa praça holandesa, debaixo de neve, para 5 mil desconhecidos que não entendem bulufas do que ele está dizendo; depois disso, qual é o problema de cantar no Canecão ou no Anhembi?
Para quem “morou fora” e retornou, o Brasil (qualquer subconjunto dele) vira uma coisa tão aconchegante quanto a sala-de-estar da casa onde o cara foi criado. O resto vai depender da competência de cada um.
Nenhum comentário:
Postar um comentário