(João Cabral, por Percy Deane)
Dar voz às coisas da Natureza sempre foi um dos passatempos favoritos dos poetas. A poesia lírica incentivou tanto o culto ao sentimento que as emoções do poeta muitas vezes transbordavam dele próprio e encharcavam o mundo à sua volta. O poeta atribuía às coisas sua própria voz, as alegrias ou desânimos que ele próprio sentia. Era um tal de céu chorando de tristeza, nuvens despedindo-se para não mais voltar, oceano rugindo de fúria, árvores envelhecendo com dignidade, flores dando bom-dia ao sol, estrelas enviando beijos aos apaixonados, lua recolhendo confidências, margens plácidas ouvindo brados retumbantes...
Era um cacoete da literatura antiga, e lembro que um dos primeiros críticos desse mundo antropomórfico foi o romancista Alain Robbe-Grillet, um dos teóricos e praticantes do “Nouveau Roman” francês. Observava ele que era mais simples dizer que uma montanha era “majestosa” do que descrever o ângulo de sua inclinação. Num mecanismo que tanto tem de automático quanto de preguiçoso, o escritor sai humanizando tudo à sua volta.
Na poética de João Cabral predomina um processo que, como dizia o matuto, é a mesma coisa, só que completamente diferente. Cabral pode ser considerado o maior linguista de nossa poesia, no sentido de que para ele a Natureza é feita de linguagens. Uma das revoluções produzidas pela poética de Cabral foi varrer do mapa as emoções gratuitas, que os líricos banalizaram a ponto de tornar insuportáveis, e preparar o nosso espírito para a Era da Linguagem.
Na natureza semiótica de Cabral, tudo é linguagem, tudo são signos. O mar e o canavial são a mesma coisa: estilos diferentes de versejar. Um coqueiral é um idioma. Cemitérios se distinguem uma dos outros por pormenores estilísticos. Dançarinas andaluzas são comparadas (a quem mais ocorreria essa comparação) a uma auto-combustão espontânea, a um telegrafista, à capa e contracapa de um livro. Mesmo quando descreve emoções humanas, o que o poeta procura nelas não é o rumorejar afetivo dos sentimentos, mas a linguagem dessa emoção, a forma que ela transmite aos gestos de quem a sente.
A frieza e o cerebralismo de Cabral são uma reação necessária a séculos de poesia emotiva da-boca-pra-fora. Uma lipoaspiração necessária, um raspar de excessos, até deixar a nu a realidade e suas formas como fonte original do que nos emociona. Nos seus famosos estudos em que compara as técnicas de pintores, poetas, toureiros, etc., Cabral usou o título notável “O Sim contra o Sim”. Cada artista tem sua dicção própria, única, que lhe dá existência e personalidade como artista; e por extensão cada elemento da realidade também tem sua sintaxe, sua gramática de modos-de-ser, não importa se é uma cabra ou avião. A metaforização da linguagem, feita por ele, é um passo à frente necessário em relação ao vento que chora, ao rio que murmura, aos passarinhos que fazem declarações de amor.
Era um cacoete da literatura antiga, e lembro que um dos primeiros críticos desse mundo antropomórfico foi o romancista Alain Robbe-Grillet, um dos teóricos e praticantes do “Nouveau Roman” francês. Observava ele que era mais simples dizer que uma montanha era “majestosa” do que descrever o ângulo de sua inclinação. Num mecanismo que tanto tem de automático quanto de preguiçoso, o escritor sai humanizando tudo à sua volta.
Na poética de João Cabral predomina um processo que, como dizia o matuto, é a mesma coisa, só que completamente diferente. Cabral pode ser considerado o maior linguista de nossa poesia, no sentido de que para ele a Natureza é feita de linguagens. Uma das revoluções produzidas pela poética de Cabral foi varrer do mapa as emoções gratuitas, que os líricos banalizaram a ponto de tornar insuportáveis, e preparar o nosso espírito para a Era da Linguagem.
Na natureza semiótica de Cabral, tudo é linguagem, tudo são signos. O mar e o canavial são a mesma coisa: estilos diferentes de versejar. Um coqueiral é um idioma. Cemitérios se distinguem uma dos outros por pormenores estilísticos. Dançarinas andaluzas são comparadas (a quem mais ocorreria essa comparação) a uma auto-combustão espontânea, a um telegrafista, à capa e contracapa de um livro. Mesmo quando descreve emoções humanas, o que o poeta procura nelas não é o rumorejar afetivo dos sentimentos, mas a linguagem dessa emoção, a forma que ela transmite aos gestos de quem a sente.
A frieza e o cerebralismo de Cabral são uma reação necessária a séculos de poesia emotiva da-boca-pra-fora. Uma lipoaspiração necessária, um raspar de excessos, até deixar a nu a realidade e suas formas como fonte original do que nos emociona. Nos seus famosos estudos em que compara as técnicas de pintores, poetas, toureiros, etc., Cabral usou o título notável “O Sim contra o Sim”. Cada artista tem sua dicção própria, única, que lhe dá existência e personalidade como artista; e por extensão cada elemento da realidade também tem sua sintaxe, sua gramática de modos-de-ser, não importa se é uma cabra ou avião. A metaforização da linguagem, feita por ele, é um passo à frente necessário em relação ao vento que chora, ao rio que murmura, aos passarinhos que fazem declarações de amor.