Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
segunda-feira, 10 de março de 2008
0186) O poeta principiante (25.10.2003)
(ilustração: Katerina Kamprani)
Vivo cercado de poetas principiantes. Não há menosprezo nesta palavra. Tudo no mundo tem que principiar; então, que os poetas comecem a poetar desde cedo, porque escrever poesia é como dançar gafieira, requer longa prática e treino constante. Existe uma coisa que às vezes é chamada, um tanto pomposamente, “o fazer poético”, e que é um conjunto de técnicas. Tudo tem uma técnica. Dançar gafieira tem uma técnica, mas saber a técnica não adianta, se você não tem jeito para a coisa.
Um erro típico do poeta principiante é querer publicar tudo que escreve. O cara pega os primeiros 50 poemas que escreveu na vida, passa a limpo e manda para uma editora. Isto equivale a um músico mandar para uma gravadora suas aulas de violão, na esperança de que alguém queira pagar para ouvi-lo aprendendo a fazer o tom de Dó Maior. Os primeiros exercícios são penosos, são constrangedores, e mesmo quando os resultados são bons, é melhor guardá-los, e continuar escrevendo. Primeiros poemas são sempre regurgitações de poemas alheios, são reciclagem de clichês, são reflexos de grandes versos que lemos e nunca mais saíram de nossa memória, ficaram ali, moendo, moendo, contaminando tudo que tentamos colocar em palavras.
Os poetas surrealistas dos anos 1920 diziam que para chegar um dia a produzir grandes poemas é preciso “limpar a estrebaria intelectual”, jogar para fora todos os detritos verbais que absorvemos nas leituras, nas conversações do dia-a-dia, no cinema, no rádio... O tempo inteiro estamos registrando frases, piadas, versos, palavras novas, trechos de canções, gírias, jargão profissional. Nosso vocabulário e nosso senso de sintaxe são formatados ao longo desse bombardeio que dura a vida toda. Não temos controle sobre o que lemos e ouvimos. O momento de ter controle sobre essa bagunça é o momento de escrever.
É típico de poetas principiantes querer preservar a dimensão biográfica dos próprios poemas: momentos de sua vida pessoal, ou etapas do seu aprendizado poético. Vai daí, os poemas dos primeiros livros de um poeta geralmente vêm todos datados, alguns com requinte de detalhe: “14 de outubro de 2003, 16:30, praia de Copacabana.” Eu já fiz isso, todo mundo já fêz isso, mas hoje eu acho que tais particularizações não interessam ao leitor. O poema deve ir “a seco”para a página. O link biográfico deve ficar para o biógrafo, se um dia houver.
A maioria das pessoas começa a escrever poesias para desabafar sentimentos ou registrar estados de espírito. São poucos, por exemplo, os que começam a escrever poesias para contar histórias, ou para descrever lugares e ambientes. A poesia é considerada uma forma de olhar para dentro, de se auto examinar; e o poeta principiante recorre a ela quando está (para usar a linguagem de hoje) emocionalmente fragilizado. Quando se sente seguro de si, lúcido, mente acesa, o poeta principiante acha que não precisa escrever. Ele troca de roupa e vai beber com os amigos.
Bacana, Bráulio. Numa crítica ao ''Alguma Poesia'', acho que foi Mario de Andrade quem disse que Drummond levava vantagem sobre seus contemporâneos por já ter aparecido maduro em seu primeiro livro.
ResponderExcluirO fim também é foda. E além de tudo tem o meio, né?
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